Li certa vez que perguntaram a Galileu Galilei quantos anos ele tinha, ao que respondeu: “Cinco, dez ou quinze anos. Talvez mais, ou talvez menos. Talvez alguns dias, ou somente um dia. Sim, porque o tempo passado já não me pertence e apenas posso contar com o futuro. Mas este eu não sei precisar”.
Sobre esse tema, o tempo e o que dele nos cabe em vida, diz Marco Aurélio em suas “Meditações” (Livro II, 14):
“Ainda que os anos de tua vida sejam três mil ou dez vezes três mil, lembra-te que ninguém perde outra vida, senão a que vive agora, nem vive outra senão a que perde. O prazo mais longo e o mais breve são, portanto, iguais. O presente é de todos: morrer é perder o presente, que é um tempo brevíssimo. Ninguém perde o passado nem o futuro, pois a ninguém podem tirar o que não tem”.
A matéria do presente seria, então, o próprio tempo. E administrariam melhor o seu tempo existencial aqueles que tivessem o seu olhar mais amplo, universal, holístico: os visionários.
Tenho que, na arte de viver, expressam sabedoria aqueles que sabem distinguir o principal e o secundário, mantendo, assim, donos deste conhecimento, a serenidade e a tranquilidade de espírito, mesmo diante das adversidades – comuns a todos -, e estando, dessa forma, mais próximos também da felicidade.
A esse propósito, Dom Nivaldo Monte não foi apenas um sacerdote, mas um sábio, um visionário, alguém que soube aliar o espírito contemplativo à ação.
Sêneca, um dos mais expressivos pensadores do estoicismo romano – filosofia, aliás, tão presente em nossa religião cristã – recomendava alternar o recolhimento e a vida social: “Misturemos as duas coisas: alternemos a solidão e o mundo” (in “Da tranquilidade da alma” – XVII, 3).
A meu ver, portanto, o perfil existencial de D. Nivaldo continha esses dois aspectos: o contemplativo e o ativo.
Nesse último sentido, é inegável a sua profunda contribuição ao desenvolvimento educativo, político e social de nossa gente.
Entregue ao pensamento, à literatura e às reflexões, não se pode negar que foi, igualmente, um vigoroso homem de ação. Ele e seu grande amigo Dom Eugênio de Araújo Sales, proeminente figura da Igreja, realizaram inúmeros feitos exemplares, essenciais ao progresso e ao crescimento moral e espiritual de nosso povo
Nos anos difíceis do período ditatorial, quando um grupo de humanistas e democratas (entre estes, Padre Pio, Dermi Azevedo, Elias Cabral Maciel, Rivaldo Fernandes e eu) lutavam contra a opressão, pela democracia e pela criação de um comitê de defesa dos direitos humanos, encampou a ideia e deu-lhe forma com a fundação da Comissão Pontifícia Justiça e Paz, da qual fui presidente, primeira entidade estadual (mas vinculada ao Vaticano – daí “Pontifícia”) destinada à defesa dos direitos humanos. Movimento idealista e agregador, a ele somaram-se outros nomes, tornando-o ainda mais forte.
Era meu amigo e em várias ocasiões conversamos muito. Sobretudo sobre filosofia, política, religião e poesia. Havia entre nós um grande elo de simpatia, a identificação espiritual que tanto aproxima as pessoas. Mostrou-me originais seus antes de torná-los livros. Certa vez, falando-me sobre a coragem, definia o corajoso não como aquele despojado do medo, mas aquele que o dominava. Tema e concepção, aliás, que aborda em seu livro “Toda palavra é uma semente”, quando diz: “O problema, o verdadeiro problema não é ter ou não ter medo, mas, quando necessário agir, deixar-se levar pelo temor”.
Dediquei-lhe uma tradução que fiz do “Noche Obscura”, do místico e grande poeta espanhol San Juan de la Cruz, para mim expressão das mais altas (senão a mais alta) da poesia em língua castelhana, que trata do encontro da alma com Deus.
Em memória do amigo, em meio ao mistério e às ilusões do mundo, revela-me a poesia:
A realidade
é a opção do provável.
O real
é Deus.