Soube há pouco do encantamento do poeta Volonté (Manoel Fernandes de Sousa Júnior). Antes haviam partido Diulinda, Obery, Eduardo Gosson, Anchieta, Charlier, Luiz Eduardo, Inácio, Leonardo… e mais outros e outros. Tenho perdido inúmeros amigos, ao longo da vida. Novas e velhas amizades. Algumas delas, tão antigas, que já me pareciam fora do tempo e nelas podia enxergar a eternidade. Tudo faz parecer um sonho… E neste mistério, em que não deixo de pensar e no qual me debruço todos os dias, estão os legendários versos de Calderón, e seu acorde definitivo: “la vida es sueño y los sueños sueños son”. E cada amigo que se encanta, sinto-o mais vivo e daí mais acesa a sua saudade.
Com a idade, que avança a cada volta em torno do sol, a soma dessas perdas aumenta. Quando bem jovem, ainda estudante universitário no Recife, lembro que destaquei, numa reunião com amigos, o seguinte paradoxo: ou morremos cedo, aproveitando pouco a vida, não vendo a partida de muitos que amamos, ou tarde, já idosos, mas acelerada a solidão sem mais a presença de quase todos entes queridos cuja perda fomos condenados a sofrer.
A leitura de “Monólogos on-line”, de meu amigo e ex-professor de Introdução à Ciência do Direito Ivan Maciel de Andrade, traz a oportuna lembrança do ilustre pensador Alceu de Amoroso Lima, que assim se expressa: “Ninguém morre de uma vez só. Vamos morrendo pouco a pouco na pessoa daqueles que vão partindo antes de nós e cada um dos quais leva consigo um pouco de nós mesmos”.
Escrevendo esta nota, lembrei-me de um poema que fiz há algum tempo, intitulado NA PORTA MAIOR, que, num único ato, retrata esse “sentimento trágico da vida”, na expressão de Unamuno.
Afinal, carregamos em nossos corações muitos mortos queridos:
NA PORTA MAIOR
No portal da transposição ou porta maior
por onde migram as almas
em busca dos Elísios
perguntam a José:
Quantos mortos carregais?
Nenhum
pois não me foi dado o tempo
do convívio humano.
Venho do Limbo
e nada tenho a confessar.
Perguntam a Pedro:
Quantos mortos carregais?
Muitos
pois muitos anos vivi:
dezenas de parentes e amigos
que se foram antes de mim
e mesmo alguns inimigos que perdi
perdendo a voz de sua volta
no íntimo desejada.
Mas ainda jovem
da sibila ouvi
que assim seria:
primeiro eu
ou eles
e escolha não haveria.
Ver ou não ver:
eis a questão ou
funesta profecia –
quem vivesse ficaria
para ver partirem os demais.
A esses sobrevivi
e agora comigo os trago.
Perguntam a Antônio:
Quantos mortos carregais?
Na verdade
ainda não morri
e nem mesmo sei
o que faço aqui.
O desânimo talvez
ou a apatia
construiu o vazio
deste outro mundo
em que me encontro.
Podem chamar
se quiserem
de tédio ou depressão
o que ainda presos
mantém meus passos
no antigo chão.
Perguntam enfim à morte:
Quantos mortos carregais?
Todos
porque todos são
como se fossem
filhos meus.
- E isto porque convém à morte
estar nos vivos e nos mortos
e com todos compartir
suas responsabilidades.