Não censure. Pela fala, o matuto nordestino é de ultramar. Galego? Pelo menos o seu “pro mode” (por mor de) origina-se no galego-português, ou galaico-português, considerado, na Idade Média, a língua culta da Península Ibérica, falada nas regiões de Galiza e Portugal (oeste da Península), antes pertencentes ao Reino de Leão e, depois, ao de Castela.
Com efeito, na Europa, na chamada Alta Idade Média, entre tantos dialetos, eram mencionadas como línguas cultas, utilizadas pelos trovadores, poetas e demais literatos: na França, o provençal; na Itália, o toscano; na Península Ibérica, o galego-português. Assim, as célebres “Canções de Santa Maria”, do rei de Castela, Afonso X, o Sábio, foram escritas em galego-português e não em castelhano, sua língua materna.
Essa bela raiz, o galego-português, bifurcou-se e gerou duas línguas irmãs, o galego e o português. E a geopolítica, atuando sobre fronteiras e nacionalidades, interferiu nesse processo. Alguns atribuem ao ano de 1.139 d.C., ano da batalha de Ourique – quando Portugal dava o passo definitivo para sua independência de Castela -, como início da separação das duas línguas.
Entretanto, não nos podemos prender a uma data e desconsiderar diversos outros fatores, profundos e mais complexos, como, por exemplo, o império colonial de ultramar criado por Portugal e a anterior e mais prolongada, em relação à Galícia, ocupação árabe de seu território.
Há tempos me debruço sobre essa questão, sobretudo porque, no Nordeste, guardamos muito da herança linguística do português arcaico, ou galaico-português, que nos foi transmitida pelo modo de falar dos antigos colonizadores portugueses, que se estabeleceram inicial e majoritariamente aqui, e mantida sobretudo no interior.
Admiro a língua galega e suas palavras conservadas no linguajar nordestino. Ainda hoje, em galego, água é auga, virgem é virxe (Virgem Maria!, Virxe María!), gente é xente, por causa de ou por amor de é por mor de (o nosso pro mode). Entonces, quando dizemos oxente estamos a dizer ô gente!… Sim, do jeito mesmo que falei, entonces, pois continua portuguesa a palavra, que em galego moderno é entón.
Os galegos, descendentes dos suevos e celtas, assim como os minhotos, do norte de Portugal, são brancos e, não raro, aloirados. Daí chamarmos “galegos” as pessoas assim descritas.
Certa vez, um poeta galego, Carlos Fontes (e não Carlos “Fuentes”, em escrita castelhana), escreveu-me uma pequena carta, um e-mail elogioso em galego. Ele conhecera uns poemas meus, através de Felix Contreras, poeta e ensaísta cubano, e gostara. Escreveu-me assim:
“Querido Horácio, magnífica a súa poesía, chea de resóns e raiceiras. Tiven ocasión de ler os outros dous poemas que conforman a triloxía grazas a Félix.
O concello onde vivo, Vilaboa, pertence á provincia de Pontevedra, situada no suroeste de Galicia, raiana con Portugal, unidas polo Miño até a desembocadura no Atlántico. Así que, ademais de polo “flaco” Contreras, estamos conectados por un río e un océano, e mollamos os pés na mesma auga.
Unha calorosa aperta, Carlos.”
(Xoán Carlos Fontes Moledo – seu nome completo)
A tradução (e precisa traduzir?) seria assim:
“Sua poesia é magnífica, cheia de ecos e raízes. Tive a oportunidade de ler os outros dois poemas que compõem a trilogia graças ao Félix.
O município onde vivo, Vilaboa, pertence à província de Pontevedra, situada no sudoeste da Galiza, na fronteira com Portugal, unida pelo Minho à foz do Atlântico. Assim, além do Contreras “magro”, estamos ligados por um rio e um oceano, e mergulhamos os pés na mesma água.
Um abraço caloroso, Carlos.”
Quanta semelhança nas duas línguas!… Ambas, portanto, belas e muito parecidas!
Há poucos dias escrevi um poemeto e tive a ousadia de traduzi-lo para galego. Ficou assim:
TURNO MATUTINO
Não estou seguro desta manhã:
o dia parece
um trampolim…
A noite levou quem eu queria
e me deixou só
num limbo de marfim.
QUENDA DE MAÑÁ
Non estou seguro esta mañá:
o día parece
un trampolín…
A noite levou quen quería
e deixoume só
nun limbo de marfil.