O novo Arcebispo da Arquidiocese de Natal, Dom João Santos Cardoso toma posse nesse sábado (07) e chega a sua nova missão com o lema deixado pelo apóstolo Paulo: “In Eo Qui Me Confortat” (Naquele que me fortalece), prezando por uma igreja sinodal, ou seja, uma igreja em missão.
Nascido em 3 de dezembro de 1961, na cidade de Dário Meira, no estado da Bahia, sendo o sexto filho de João Francisco Cardoso e de Maria Ferreira dos Santos, desde novo conviveu com os princípios da fé católica. “Foi lá, dentro do contexto do catolicismo familiar, vivido também na comunidade eclesial que despertou minha vocação sacerdotal”, relembrou o bispo em entrevista exclusiva ao Diário do RN.
Foi aos 16 anos que iniciou sua vida vocacional, ingressando no Seminário Menor na cidade de Vitória da Conquista. Dom João relembra que o reitor do seminário era o próprio bispo da região: “Quando entrei, a Arquidiocese de Vitória da Conquista estava vivendo um período de escassez de sacerdotes, então o próprio bispo era o reitor do seminário”.
Concluiu o curso de Filosofia no Seminário Maior do Nordeste de Minas, em Teófilo Otoni (MG). Já o bacharelado em Teologia foi concluído no Instituto de Ilhéus (BA). É licenciado em Filosofia pelo Centro Universitário Assunção, em São Paulo (SP), e mestre e doutor em Filosofia pela Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma.
Em 2002, retornou para a cidade de Vitória da Conquista, onde iniciou sua trajetória como professor, devido ao seu grau de especialização. “Foi o momento que surgiram grandes universidades aqui (Vitória da Conquista) e devido ao meu grau de especialização, fui convidado para dar aulas e ajudar na implantação de alguns cursos”, contou Dom João lembrando que conciliava a vida de docente com as atividades da vida religiosa.
No Mundo da Cultura, foi professor de filosofia, com doutorado na área pela Pontifícia Universidade Gregoriana em Roma. Ministrou aulas na Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB), onde também dirigiu o Programa de Formação de Professores da Educação Básica e coordenou o Núcleo de Estudos e Pesquisas Sobre Violência e Poder na Contemporaneidade (NUVIP).
Além de tudo isso, foi um importante interlocutor em Vitória da Conquista e Região dos temas sociais e humanos em defesa da vida e dos princípios de sociabilidade, fraternidade e solidariedade humana. Foi Capelão Universitário devido ao seu vínculo com a instituição e, em seguida, foi nomeado pároco da Paróquia Nossa Senhora das Graças.
Em 14 de dezembro de 2011, foi nomeado pelo Papa Bento XVI como bispo de São Raimundo Nonato, no estado do Piauí, tomando posse em 17 de março de 2012. Escolheu como lema para sua vida sacerdotal: “In Eo Qui Me Confortat” (Naquele que me fortalece). Em 24 de junho de 2015, o Papa Francisco o nomeou bispo da diocese de Bom Jesus da Lapa. A posse foi no dia 25 de setembro de 2015. Dom João também foi presidente do Regional Nordeste 3 da CNBB entre 2019 e 2023.
Em 2023, foi surpreendido com a nomeação para ser Arcebispo da Arquidiocese de Natal, Dom João afirmou ter ficado surpreso: “No dia 05 de julho, fui nomeado como arcebispo de Natal, recebi a notícia com surpresa e perplexidade. Pois tenho ciência que durante quase 70 anos, a escolha era feita entre os presbíteros potiguares, sendo uma tradição quebrada. Mesmo com toda perplexidade, me dá muita serenidade de seguir esse legado”.
Dom João relembra que conforme as regras têm ainda 14 anos para seguir a frente da arquidiocese: “Assim como Dom Marcolino, baiano também, esteve à frente da igreja por 31 anos e marcou a história (…) Não terei essa possibilidade de exercer por 31 anos, mas se Deus me der a graça poderei estar contribuindo por 14 anos, que é quando completarei os 75 anos”.
Após a surpresa da nomeação, o sacerdote afirmou está sendo muito bem acolhido por toda sociedade potiguar: “Diante de tantas demonstrações de apreços dos sacerdotes, dos leigos, de autoridades potiguares, sinto-me acolhido. E tenho a intuição, de que com a colaboração dos presbíteros, dos fiéis leigos, diáconos, as pessoas de boa vontade, poderemos fazer um bom trabalho na igreja de Natal. Assim confio no Senhor e sigo em frente! ”.
Durante a entrevista exclusva ao Diário do RN, Dom João contou que, apesar de já conhecer Natal, preferiu aguardar e conhecer seus desafios apenas após a posse: “Apesar de já ter conhecido Natal, ter conversado com pessoas daí, prefiro aguardar minha posse para assim tomar ciência de toda situação. ‘Há uma hora para tudo debaixo do Céu’, então depois que tomar posse irei ficar ciente, ouvir muito mais do que falar”.
SENSIBILIDADE PASTORAL
Dom João Cardoso ressaltou que cada sacerdote tem suas sensibilidades pastorais. Ele, como filho do Concilio Vaticano II, preza pela renovação da igreja: “Quando iniciava o Concílio eu nascia, toda a igreja que eu conheci foi a igreja conciliar, na sua tentativa de renovação. Então, a minha grande sensibilidade é a reforma conciliar que marca toda a caminhada da igreja nos últimos tempos. Cujos ensinamentos e documentos produzidos endossaram toda a experiência da igreja do Concilio Vaticano II, que teve uma grande repercussão aqui no Brasil, com as Conferências Episcopais do Continente latino-americana, igreja do Brasil”.
Dom João enfatiza que precisamos ter uma igreja em saída, em missão, incluindo a todos. “ O documento de Aparecida fala sobre a igreja em estado permanente de missão. Então, nós somos chamados a nos dirigir a todos, sem exceção a jovens, crianças, adultos, idosos, todas as classes sociais. Mas, naturalmente, a preferência de nosso Senhor, sem jamais excluir alguém, era sempre os excluídos, marginalizados, pecadores, pobres, doentes, as pessoas que realmente tinham uma necessidade da sua compaixão e da sua misericórdia”.
O pontífice destaca ainda a importância da alegria de levar o Evangelho para todos. “Um grande desejo de levar a alegria do Evangelho a todas as pessoas. É impulsionar nossa igreja. Para que possa ser uma igreja em saída como quer o Papa Francisco. Uma igreja que abre as suas portas, que não espera que as pessoas venham em busca dela, mas que vai em busca das pessoas, especialmente daqueles que se afastaram, que se preocupa com os novos campos de atuação, novos âmbitos culturais, para aí fazer ressoar a alegria do Evangelho e a conduzir a pessoa à fonte da misericórdia que é nossa, em Deus”.
Dom João destaca ainda a postura do Papa Francisco, no seu âmbito de trabalho social como uma de suas sensibilidades pastorais e sua dedicação: “Marca profundamente na minha sensibilidade pastoral os ensinamentos do Papa Francisco. Um grande Papa, com grande contribuição à igreja, inclusive na dimensão do âmbito social. A nossa fé tem uma dimensão social e nós não podemos jamais perder de vista essa dimensão social da fé. Nós temos rico patrimônio na igreja, que é a doutrina social da igreja, o estímulo social da igreja”.
Outra preocupação e sensibilidade é quanto as questões ambientais. “Nos fez ver, o Papa Francisco, que nós somos corresponsáveis como outro ser humano. E desse outro também inclui a criação. Nós fomos colocados por Deus num jardim dessa terra, que é o jardim de Deus, para cuidar dela, dela tirar o nosso sustento. Sem sermos depredadores, pois outras gerações precisam receber esse planeta em boas condições e não de uma forma inabitável”.
Prezando por uma igreja sinodal, Dom João Cardoso preza por uma igreja que caminha junto, que está pautada no direcionamento pelo Espirito Santo: “Caminhamos em comunhão com os outros bispos, em comunhão com a CNBB. É a experiência da sinodalidade. Juntos com a igreja, tentamos escutar o Espírito Santo, na atitude de oração, para justamente discernir para onde o Espírito de Deus conduz a nossa igreja, os desafios, quais os novos apelos, e então responder a esses apelos na medida das nossas possibilidades, nossos recursos humanos, materiais, na medida que nós dispomos de instrumentos e recursos para dar resposta à sociedade com todos os problemas a partir do evangelho”.
MENSAGEM AO POVO POTIGUAR
A entrevista de Dom João foi concedida na última semana de setembro, quando ainda estava na Bahia. Com a proximidade da posse, ele deixou uma mensagem para os potiguares: “Tenho grande expectativa e esperança de contar com a acolhida, com a colaboração, com o apoio de todos os católicos e pessoas de boa vontade. A função de bispo não se desenvolve sozinho. Assim, necessito do apoio dos católicos, mas também das pessoas de boa vontade que não são católicas. Conto com a oração das pessoas, porque somente com a força da oração nos colocamos nessa atitude de escuta ao Espírito Santo de Deus”.
Ressalta ainda que quer deixar a marca de uma igreja em saída: “Uma igreja que caminha junto dos pastores e fiéis, uma igreja que escuta, que nos colocamos na atitude de escuta. Uma igreja orante, que precisa ser orante do silêncio e que possamos também escutar outro, escutar o Espírito Santo de Deus. Espero, portanto, com a força do Senhor, ter saúde emocional, psíquica e espiritual, para, então, viver a proximidade, como fala o Papa Francisco: o pastor, deve ter o cheiro da ovelha. Viver essa proximidade, às vezes caminhando no meio do povo, às vezes no fundo, às vezes liderando na frente, indicando a ponta do caminho”.
ABORTO
Diante de toda polêmica que envolve a temática aborto, e que atualmente tramita no Supremo Tribunal Federal (STF) que discute a descriminalização quando feito por mulheres com até 12 semanas de gestação, Dom João Cardoso enfatizou o posicionamento da igreja: “O aborto fere o mandamento da lei de Deus, que é ‘Não matarás’. O feto não é um amontoado de células, é uma pessoa. Como a igreja ensina, desde a concepção, ali temos um ser humano. De modo que assim o aborto se configura um assassinato. É algo covarde, já que o nascituro é inteiramente indefeso, não pode se defender, não pode lutar para garantir a sua vida”.
Classificou ainda como uma lei desumana e defende que é preciso ouvir a população como o todo: “Um assunto tão polêmico como esse, uma lei que permite o aborto é algo desumano. E não pode ser decidida em apenas por 11 pessoas, é necessário ouvir a sociedade, a maioria da sociedade brasileira é cristã. Um assunto tão delicado como esse que envolve questões éticas, morais, espirituais, religiosas, deve ser discutido com maior profundidade e não simplesmente considerando as questões técnicas e jurídicas. Dom Ricardo e todos os outros sacerdotes têm feito um pronunciamento de que a CNBB tem se colocado com grande convicção na defesa do nascimento, na defesa do direito de nascimento, de modo que realmente um cristão não dá para aprovar o aborto”.
Outras Polêmicas
Muitas foram as polêmicas que surgiram nos últimos anos sobre situações que envolviam padres e demais membros da Arquidiocese de Natal. Dom João Cardoso afirmou ainda não ter ciência da situação, mas que irá apurar junto ao órgão competente da igreja para avaliar cada situação: “Não sei da situação, mas toda a igreja, toda a diocese tem um organismo para poder cuidar dessas questões. Quando é feita uma denúncia a respeito de um membro da igreja, especialmente da hierarquia, essa denúncia tem que ser investigada, naturalmente ter todas as provas possíveis. Também não basta uma denúncia que não tenha provas. E uma vez sendo investigada, se a pessoa realmente for culpada, então ela sofre determinadas penalidades. Esperamos colocar em funcionamento esses organismos que existem para auxiliar o bispo. O bispo é juiz da diocese, mas também ele não toma decisões de forma arbitrária”.
Por fim, Dom João enfatizou ainda que é preciso respeitar as instâncias e formalidades legais para que se tenha uma resolutividade, para que não haja precipitações: “Todo o processo, se não forem respeitadas todas as formalidades legais, a pessoa pode estar condenada e depois ser inocentada pelas instâncias superiores. Então, esses casos de abuso e demais questões, devem ser tratados dentro daquilo que o Papa Francisco, desde o Bento XVI, já tem legislação da igreja e orientações de como nós devemos agir. Assim, essa situação esperamos tratar dessa forma, dando também às pessoas o direito à ampla defesa, porque também não dá simplesmente por uma denúncia que é lançada nas redes sociais, na imprensa, então você logo sai condenando alguém. Às vezes pessoas que são apressadas também, que elas querem ver o resultado imediatamente. Então, se houver uma denúncia, a gente deve apurar para ver o que está acontecendo. Se a pessoa for inocente, então ela deve ser restabelecida. A honra dela fica mais difícil de restabelecer, e uma vez que um fato é divulgado, as pessoas consideram como verdade, fica muito difícil ver depois”.