O debate sobre anistia política voltou a ganhar destaque no Brasil, especialmente após os acontecimentos do dia 8 de janeiro de 2023. Contudo, antes de formar uma opinião sobre o tema, é fundamental compreender o que significa, de fato, uma anistia.
Anistia é um instituto jurídico que representa um ato de clemência estatal, concedido pelo Poder Legislativo — no caso brasileiro, pelo Congresso Nacional. Seu objetivo é extinguir a punibilidade de determinados crimes, apagando-os do ponto de vista penal. Diferentemente do indulto, que é concedido a indivíduos específicos, a anistia tem caráter coletivo e se aplica a um grupo de pessoas que cometeram certos crimes, geralmente em contextos políticos.
Ao ser concedida, a anistia elimina não apenas a possibilidade de punição, mas também todos os efeitos penais decorrentes da infração. É como se, para fins jurídicos, o crime nunca tivesse ocorrido. Trata-se, portanto, de uma medida com forte impacto simbólico e legal, frequentemente usada em momentos de reconciliação nacional, como após ditaduras ou guerras civis.
No entanto, a atual proposta de anistia aos envolvidos nos atos de 8 de janeiro levanta questionamentos relevantes. O primeiro deles diz respeito à própria existência do crime. Se há defensores da anistia, pressupõe-se que houve, de fato, a prática de um ato ilícito, no caso, um atentado contra o Estado Democrático de Direito. Afinal, só se pode anistiar aquilo que é, de alguma forma, considerado crime. Nesse sentido, pleitear a anistia seria uma “confissão tácita” da tentativa de golpe.
A incoerência se acentua quando os mesmos grupos que pedem a anistia também sustentam que não houve tentativa de golpe ou de subversão da ordem democrática. Esses dois discursos são incompatíveis. Se não houve crime, não há o que anistiar. Mas se há o pedido de anistia, é porque se reconhece, ainda que indiretamente, a existência do crime. Essa contradição expõe não apenas um problema jurídico, mas também político e ético.
Portanto, o debate sobre a anistia deve ser feito com seriedade e responsabilidade, respeitando os limites da legalidade e os princípios democráticos. A anistia não pode ser usada como escudo para a impunidade, especialmente quando está em jogo a integridade do Estado Democrático de Direito. É preciso, antes de tudo, coerência entre o discurso político e o reconhecimento dos fatos que marcaram a história recente do país.