Punição sem individualização é vingança, não Justiça. A Constituição exige mais do Estado que respostas exemplares: exige equilíbrio, legalidade e responsabilidade.
Desde os atos ocorridos em 8 de janeiro de 2023, quando manifestantes ocuparam e depredaram as sedes dos Três Poderes em Brasília, o debate público se acirrou. Entre a indignação legítima com os danos causados à institucionalidade democrática e a condução judicial de centenas de processos, instaurou-se um clima que beira o punitivismo desmedido.
A narrativa predominante sustenta a existência de uma tentativa de golpe de Estado. Contudo, essa tese, utilizada como esteio jurídico em diversas condenações, não se sustenta de forma homogênea quando confrontada com a realidade de cada réu. A individualização das condutas, princípio basilar do Direito Penal brasileiro, foi em muitos casos substituída por um juízo coletivo, que atribui a todos a mesma intenção e a mesma responsabilidade.
Milhares de cidadãos foram detidos e processados sem provas suficientes de que participaram ativamente dos atos violentos ou que possuíam qualquer capacidade real de subverter o regime democrático. Em nome da defesa da democracia, corre-se o risco de ferir seus próprios pilares: a legalidade, a presunção de inocência e o devido processo legal.
A aplicação extensiva do artigo 359-L do Código Penal, que tipifica o crime de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, tem ocorrido de forma preocupante. A interpretação elástica e a tentativa de encaixar condutas diversas em um mesmo tipo penal sem comprovação de dolo específico é prática que contraria o princípio da legalidade estrita e a vedação da analogia in malam partem – proibida no Direito Penal, justamente para proteger o indivíduo da arbitrariedade estatal.
Diante disso, a proposta de anistia não é um gesto de impunidade, mas sim de justiça. É o reconhecimento de que, embora atos ilícitos tenham ocorrido, não se pode punir todos indistintamente. A anistia, enquanto instituto previsto na Constituição, serve à pacificação e à reparação de distorções processuais que, sob o calor da comoção social, conduzem a decisões precipitadas e desproporcionais.
Mais do que nunca, é preciso retomar o equilíbrio. O Estado deve punir os culpados com base em provas e em respeito aos limites legais, mas jamais pode agir como vingador, sacrificando garantias fundamentais em nome de um exemplo.
Punir é necessário, mas punir com justiça é indispensável. E justiça só se faz com ponderação, técnica e fidelidade aos princípios constitucionais. A anistia, nesse contexto, pode e deve ser debatida como um caminho legítimo, constitucional e necessário.