Escrever também é uma forma de transbordar em palavras as vivências silenciadas e contar sobre realidades que vão além dos nossos próprios umbigos; uma realidade que às vezes tão nua e crua, é facilmente substituída por seres fictícios e magia. No entanto, alguns autores são capazes de quebrar essas barreiras e traçar outros rumos literários, como é o caso de Amanda Karoline, que escreveu um livro sobre o crime que tirou a vida de seu marido e possibilitou algo além da dor e do infortúnio, mas a ajudou no próprio processo de cura.
“O livro surgiu dentro do sistema prisional, enquanto eu ainda estava presa. Depois do júri popular, fui condenada a 20 anos de prisão, foi quando eu achei que tudo tinha acabado na minha vida”, a ex-comerciante teve a coragem de narrar a sua história real, sobre a violência e a dor que careciam perpassar o imaginário para se tornar o livro “De Tambaba à Prisão”, onde ela aborda os sentimentos de humilhação, vingança e constantes abusos sexuais, físicos e psicológicos, vividos ao lado do marido, Rômulo Barbosa da Cunha, que a violentava e a obrigava a fazer sexo com homens e mulheres na frente dele, além de força-la a frequentar casas de orgias e swing. No título, “Tambaba” faz alusão à praia do litoral sul da Paraíba que foi a primeira do Brasil a permitir o naturalismo, sendo conhecida como a “praia do nudismo”, onde a prática é assegurada por lei, mas o sexo é proibido. No entanto, na praia, aos 18 anos, o marido a obrigava a praticar o ato ilegal.
O constante sofrimento era silenciado todos os dias, até que se transformou em revolta e uma sede de vingança para acabar com toda aquela dor. O pesadelo de Amanda começou aos 18 anos e após mais de uma década de tortura, ela se tornou a mandante do assassinato de Rômulo, que foi alvejado na porta da casa onde moravam, em Macaíba, no dia 18 de agosto de 2016.

Para ela, tudo parecia perdido, mas na cadeia, o projeto intitulado “Escritores do Cárcere”, que tem o apoio do Grupo de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e Socioeducativo (GMF-RN) e do Programa Novos Rumos na Execução Penal do TJRN, possibilitou novos rumos para a ressocialização e a incentivou a mudar de vida. “A pessoa que me fez enxergar a luz no fim do túnel foi a policial Joana Coelho que me incentivou a escrever. O livro foi muito pesado, não de escrever, mas de reviver tudo que eu tinha passado. Eu escrevi ele em 1 ano e 8 meses e o momento mais difícil foram as partes dos abusos”. Amanda relata que o livro foi uma forma de expor sua alma, narrar fatos que até então, eram desconhecidos até mesmo pelas pessoas de seu convívio, que não sabiam as desolações enfrentadas por ela: “Ninguém da minha família sabia tão a fundo o que eu tinha passado. Eu tinha um casamento de referência, não só para a minha família, como para toda a sociedade. No dia do júri, por eu nunca ter prestado um boletim de ocorrência contra ele, ninguém acreditou em mim”.
Atualmente, ela está em regime semiaberto. Dentre os 20 anos de regime fechado, teve 1 ano de pena reduzida por ser ré confessa, após a prestação de serviços na unidade prisional, conseguiu entrar com um recurso para redução da pena para 15 anos e 7 meses. Após 5 anos de encarceramento, Amanda leva uma vida quase normal, com a obrigação de voltar para casa até às 20h e comunicar ao judiciário caso precise se ausentar do Estado.
Para a autora, o perdão se constrói dia após dia, que a sociedade precisa ser mais maleável, pois segundo ela, há sim uma diferença entre o crime e o criminoso:
“Eu costumo dizer que a gente vive numa sociedade mais do que patriarcal, mas uma sociedade hipócrita. Hoje eu sou muito julgada pelo crime que eu cometi, mas quantas mulheres são mortas? Será que eu sou julgada por ser mulher, porque o “normal” é homem matar mulher e não a mulher matar o homem?”
UM VISLUMBRE DE PERSPECTIVA E CURA
Para o futuro, Amanda Karoline pretende escrever outros livros para contar a realidade nos presídios, os relatos e histórias compartilhadas por suas companheiras de cárcere e também de como foi ser recebida por seus familiares, quando pôde retornar à sociedade após o crime. E mais, Amanda quer falar sobre como encontrou o amor ao lado do atual esposo. Ela pretende narrar as vivências e superações que enfrentou e ainda enfrenta, e suas expectativas para o futuro, quando retirar a tornozeleira eletrônica.