Konstantinos Kaváfis tinha nacionalidade grega, mas nascido em Alexandria, Egito, oriundo da numerosa colônia grega ali estabelecida.
É considerado por muitos o maior poeta grego dos tempos modernos. Entretanto, lembremo-nos também de Níkos Kazantzákis (1883-1957), seu contemporâneo, embora vinte anos mais novo, poeta de notoriedade internacional e excelente romancista, autor de obras memoráveis como “Zorba, o Grego” e “O Cristo Recrucificado”.
Em vida (e viveu 70 anos) era praticamente ignorado em sua terra e não publicou nenhum livro, embora tenha divulgado vários de seus poemas através de folhas mimeografadas, distribuídas entre os amigos, dois opúsculos que chegou a organizar em jornais e revistas culturais.
Seu único livro, com 154 poemas, foi postumamente publicado em 1935. Morreu em 1933, no dia de seu aniversário (29 de abril), na mesma Alexandria em que nascera, em 1863.
Conheci alguns desses belos poemas em princípio da década de 1980. Mais tarde, encontrando-me em São Paulo, aconteceu um fato interessante. Entusiasmado pelos primeiros poemas que lera, procurava a sua obra poética (que sabia traduzida por José Paulo Paes) quando, numa das livrarias da Avenida Paulista, indaguei sobre o livro. O livreiro não o conhecia. Alguém, que não recordo o nome, mas certamente um intelectual, repreendeu o livreiro: “Como você não conhece o maior poeta grego da modernidade?!”. Noutra livraria, porém, adquiri a obra que me causava tanta expectativa.
No poema que ora transcrevo, e que me parece um dos melhores do livro traduzido por José Paulo Paes, Kaváfis ensina o caminho estóico. Afinal, ter a grandeza de saber perder também significa estar com a verdade, em oposição ao ilusório, por mais sedutores que sejam seus tentáculos e suas projeções.
KONSTANTINOS KAVÁFIS (n. 29/04/1863, Alexandria; m. 29/04/1933, Alexandria):
O DEUS ABANDONA ANTÔNIO
Quando, à meia-noite, de súbito escutares
um tiaso invisível a passar
com músicas esplêndidas, com vozes –
a tua Fortuna que se rende, as tuas obras
que malograram, os planos de tua vida
que se mostraram mentirosos, não os chores em vão.
Como se pronto há muito tempo, corajoso,
diz adeus à Alexandria que de ti se afasta.
E sobretudo não te iludas, alegando
que tudo foi um sonho, que teu ouvido te enganou.
Como se pronto há muito tempo, corajoso,
como cumpre a quem mereceu uma cidade assim,
acerca-te com firmeza da janela
e ouve com emoção, mas ouve sem
as lamentações ou as súplicas dos fracos,
num derradeiro prazer, os sons que passam,
os raros instrumentos do místico tiaso,
e diz adeus à Alexandria que ora perdes.
(Tradução de José Paulo Paes)
NOTA
Insere-se o poema “O Deus abandona Antônio” num contexto histórico e também lendário (recurso habitual de Kaváfis em muitas de suas obras), embora predomine o questionamento existencial, a linguagem lírica, passional e filosófica.
Aqui, a lenda complementa a história.
Diz-se que após a batalha naval de Actium (Ácio), travada nas proximidades do porto de Alexandria, entre os exércitos de Otávio Augusto e de Marco Antônio e Cleópatra, sagrando-se vitorioso o primeiro e transferindo o palco da guerra para terra, Antônio teve certa noite a visão premonitória de um cortejo musical seguido de uma multidão que abandonava a cidade. A interpretação, comentava-se, estava clara: o deus de sua preferência e devoção, Baco (Dioniso em grego), o abandonara.