No período de festas de fim de ano, as ações de voluntários se multiplicam nas ruas. Eles tentam amenizar a fome que dói no estômago de quem não sabe o que é ter uma mesa farta para comemorar. O Natal passa, um novo ano chega e a fome persiste. Ela é companhia constante para 33 milhões de brasileiros, carentes de políticas públicas que possam garantir um mínimo de dignidade. Ao longo do ano, o acalento chega pelas mãos de anjos que se compadecem com a fome, o frio, o abandono e a dor do outro. Voluntários tocados pelo espírito cristão que enchem seus corações de solidariedade e emoção ao enxergar o próximo.
O jornalista Roberto Guedes é uma dessas pessoas. Diariamente, ele recebe ajuda de muitas famílias para distribuir pratos como cuscuz, sopa, macarronada e baião de dois. Quando não há doações, ele prepara sanduíches e está sempre mudando as rotas de sua ajuda humanitária para que englobe quantas pessoas ele puder, seu trabalho é de longa data.
“Comecei em 1992 levando preservativos para mulheres e travestis que faziam ponto nas ruas de Natal. Era o advento da AIDS e as autoridades governamentais diziam que tinham camisinhas para fazer chegar aos profissionais do sexo, mas não tinha capilaridade para chegar a eles”, revelou Roberto.
Durante muitos anos, ele entregou os preservativos, e, em paralelo, começou a distribuir alimentos, mas alguns grupos não mantinham a constância dessa entrega e ele passou a distribuir sozinho o alimento que as profissionais do sexo tinham pedido para que ele deixasse, já que os ganhos não pagavam sequer o transporte e a volta para casa. Anos mais tarde, com a pandemia da COVID-19, o jornalista se sentiu motivado e resolveu fazer a entrega desses alimentos de forma diária, pois segundo ele, alguns grupos se mantinham apenas de forma semanal, bimestral ou mensal. Para Guedes, este trabalho também é exercido pelo espírito cristão. “Deus nos criou para o amor e a caridade. Se, infelizmente, ainda há pessoas que passam fome, não estão empregadas, não têm teto e precisam de ajuda, quem tem alguma coisa deve lhes estender a mão. ” A falta de recursos é um grande problema na manutenção deste trabalho feito todas as noites. Roberto trabalha de manhã e à tarde para garantir as refeições; caixas térmicas, embalagens e os ingredientes são distribuídos ao longo do dia para que os voluntários possam preparar tudo para que à noite, as entregas sejam feitas religiosamente por diversas localidades de Natal.
Às vezes, a generosidade e atenção às pessoas mais necessitadas vêm de família, como é o caso da fisioterapeuta Jamilê Evola, que faz trabalho social desde os 7 anos e ao lado dos avós Dona Neuza e José Alexandre, iniciou essa missão. “Eu sempre gostei de falar com as pessoas, abraçar, conversar… Entender um pouco da vida delas, é tão bom fazer o bem sem olhar a quem, nossa fiz muitos amigos. A importância de fazer o trabalho voluntário é saber que você pode ajudar alguém, salvar vidas com um simples gesto de amor. ”
Ela conta que tem dias que consegue ajudar de 30 a 50 pessoas e se dedica uma vez por semana ao voluntariado, levando roupas, calçados, comida, tudo isso sem custo mensal, pois a ajuda se mantém através de amigos e familiares que fazem doações.
“Se há pessoas que passam fome, não estão empregadas, não têm teto e precisam de ajuda, quem tem alguma coisa deve lhes estender a mão”
Roberto Guedes
Jornalista e voluntário
Outro projeto, o “Anjos do Amor ZN” surgiu em 2016 e para Rubineide Alves, o dom de ajudar foi o que iniciou essa vontade de fazer a ação em prol dos mais desprovidos. Ela passou 5 anos participando de um projeto, mas com a intenção de voltar o olhar para a Zona Norte, essa necessidade se tornou uma missão. “Eu nunca passei fome na minha vida, mas o meu coração não aguenta ver uma pessoa pedindo comida. A única resposta que tem para isso é o amor. Eu nunca pensei em desistir, pelo contrário, eu só penso em crescer a cada dia mais. São 200 pessoas que alimentamos em uma ‘missão’ (entrega mensal dos alimentos)”.
Segundo ela, cada pessoa tem sua responsabilidade, fazendo sopas, outras refeições e bebidas. O projeto conta com a colaboração de 6 pessoas que, de forma fixa, ajudam no Anjos do Amor ZN.
Uma das situações inusitadas que Rubineide passou, foi uma tentativa de assalto, mas o grupo não tinha nada além de alimentos. Apesar da vulnerabilidade, da insegurança e muitas vezes do medo das reações mais adversas que as pessoas na rua podem ter, os voluntários se apegam às suas crenças e se mantêm firmes no propósito. Essa perseverança, é o que garante que algumas pessoas tenham a fome saciada, mesmo que seja, por muitas vezes, a única refeição feita ao dia.