Cada 08 de março reacende questões pertinentes sobre a tomada de espaços, conquistas e a representatividade feminina na sociedade. No campo político, chama a atenção a discrepância entre a totalidade da população feminina no Brasil e a quantidade de mulheres que ocupam cargos eletivos seja no executivo ou no legislativo.
No Rio Grande do Norte, apesar do histórico de pioneirismo com relação ao primeiro voto feminino (Celina Guimarães, em 1928, em Mossoró) e também à eleição da primeira prefeita (Alzira Soriano, em 1928, em Lajes), só em 2002 uma mulher foi eleita para governar o Estado: Wilma Maria de Faria, reeleita em 2006. Depois dela, outras duas mulheres: Rosalba Ciarlini (2011 a 2014) e a atual Governadora Fátima Bezerra.
Atualmente, na Assembleia Legislativa do RN, são 5 Deputadas Estaduais entre os 24 parlamentares da Casa. Na Câmara da capital do Estado, do total de 29 vereadores, 6 são mulheres.
Lígia Limeira, servidora do TRE-RN e professora de Direito Eleitoral, acredita em um longo caminho a ser trilhado em prol do fortalecimento das candidaturas femininas e do consequente aumento da representatividade das mulheres no âmbito do Legislativo e do Executivo. Em entrevista ao Diário do RN, ela falou sobre a evolução desse cenário e trouxe algumas reflexões sobre números e legislação.
Diário do RN – Aos poucos, as mulheres estão ocupando mais espaços, inclusive na política. Mas, proporcionalmente, somos poucas em relação ao número de homens. Como a senhora avalia a evolução desse cenário?
Lígia Limeira – Historicamente, é inegável que a ocupação de espaços pelas mulheres vem se consolidando ao longo do tempo, não só no campo político como também em outras áreas de atuação, apesar de um cenário marcado por consideráveis dificuldades e retrocessos, a exemplo do aumento de desvios dos recursos públicos destinados às candidaturas femininas nos processos eleitorais e da assombrosa estatística em torno dos feminicídios no país, que ostenta o maior patamar já registrado em série histórica.
Isso se deve, em grande parte, à deficiência de políticas públicas em prol do gênero, possivelmente pela ainda inexpressiva parcela de mulheres que chegam a ser eleitas para o exercício de mandatos eletivos no país.
Diário do RN – Somos mais da metade da população, mais da metade no eleitorado, mas só cerca de 15% dos cargos eletivos são ocupados por mulheres. Que reflexões cabem sobre esses números?
Lígia Limeira – É exatamente sobre isso: somos a maioria nesses quesitos, mas a sub-representação da mulher na política, para além de extremamente injusta e desigual, traz indesejáveis consequências para o Brasil, em virtude do prejuízo que representa para as pautas femininas e também para uma nova forma de olhar e de fazer política. Eu sempre defendo que essas questões devem ser combatidas por meio do conhecimento e da apropriação de ideias e de conceitos, elementos capazes de empoderar as mulheres na luta por reconhecimento e na conquista dos espaços que merecem ocupar. Nesse contexto da supremacia em números, é possível afirmar que somos nós a força motora para mudar o que quer que seja neste país.
Diário do RN – Por que ainda é tão difícil para as mulheres disputar um cargo eletivo, seja ele no executivo ou no legislativo?
Lígia Limeira – Na minha visão, esse problema está calcado em duas vertentes: a primeira diz respeito ao fato de a própria legislação – criada por um parlamento majoritariamente masculino – estabelecer critérios pouco inclusivos para as mulheres. Quer um exemplo? Os critérios para o repasse dos valores a que as mulheres fazem jus, de, no mínimo, 30%, que são definidos livremente pelos partidos, podendo causar sérias discrepâncias, como, por exemplo, a totalidade dos recursos beneficiarem algumas pouquíssimas candidatas, selecionadas pelos partidos políticos, em detrimento de toda uma cota de gênero. Aliás, nesse particular, lembro que a obrigatoriedade da distribuição de, no mínimo, 30% dos recursos do Fundo Partidário e do FEFC foi estabelecida, por primeiro, pelo STF e pelo TSE, para, somente depois, figurar na Lei das Eleições. A segunda, como já sinalizei, refere-se à ausência de conhecimento das regras do jogo. Afinal, conhecimento é poder!
Diário do RN – Em 2021, foi promulgada a Emenda Constitucional 111, com o intuito de ampliar a participação da mulher nas disputas eleitorais. Quais os pontos positivos e o que ainda precisa ser melhorado/ampliado?
Lígia Limeira – Nos termos do art. 2º da EC referenciada, nas eleições de 2022 a 2030, os votos dados a candidatas mulheres ou a candidatos negros para a Câmara dos Deputados serão contados em dobro para fins de distribuição dos fundos públicos entre os partidos políticos. Ora, pouco adianta o legislador trazer à lume esse tipo de implemento jurídico, travestido de medida incentivadora da participação da mulher e de negros na política, se regras suplementares e concorrentes não são modificadas. No exemplo que citei, relacionado aos critérios de distribuição desses fundos, que somam bilhões e têm natureza pública, a medida recentemente implementada serve mais ao enriquecimento das agremiações partidárias, que continuarão a definir quem efetivamente será beneficiado com tais recursos. Vê-se, portanto, que há um longo caminho a ser trilhado em prol do fortalecimento das candidaturas femininas e do consequente aumento da representatividade das mulheres no âmbito do Legislativo e do Executivo. Em tempo: em um ranking mundial que mede a presença feminina nos parlamentos, recentemente divulgado, o Brasil aparece na 130ª posição, dentre 193 países.