Estefanny Evangelista, 25, começou a trabalhar com o segmento capilar desde cedo, moldando o cabelo de seus familiares e a arte, que começou em seu núcleo familiar, aos poucos, foi impactando a vivência e a autoestima de outras pessoas para além dos muros de sua casa. A afro-cabeleireira trabalha como trancista há 5 anos e, nesse tempo, percebeu que há uma importância imensurável no trabalho que faz, principalmente em valorizar a beleza dos cabelos crespos e afros em uma cultura que ainda resiste.
“Acredito que o resgate da autoestima através de uma arte ancestral, que foi apagada pelo processo de racismo e escravidão, nos mostra que pertencemos e podemos nos sentir bem e bonitos sem passar pelo processo de tentar nos desvincular de traços que remetem a quem somos, como nossos cabelos”.
Há 1 ano, Estefanny Evangelista fundou o Espaço Zurie, localizado na Rua Carlos Serrano, n°18, em Lagoa Nova. Até mesmo na definição do nome de seu estabelecimento, ela transcreve e carrega traços da cultura negra. Na língua Suaíli, uma das línguas oficiais de alguns países africanos como o Quênia, por exemplo, Zuri significa ‘bonito’, então, a afro-cabeleireira juntou o Zuri + Estefanny, uma palavra que pudesse definir o nome de seu salão e a paixão por seu trabalho.
Estefanny destaca que hoje em dia, há uma maior valorização de cabelos afros e cacheados, onde negros e negras vem se libertando cada vez mais de progressivas e alisamentos, deixando de ser uma imposição social para se tornar uma escolha.
“Quase que diariamente tenho contato com mulheres que estão passando ou passaram pela transição capilar e me relatam que estão satisfeitas e nunca se sentiram tão bem com seus próprios cabelos. Falando da indústria também, hoje temos acesso a produtos e informações para nossos cabelos, o que nos ajuda ainda mais”.
Para Estefanny, a ideia de investir neste segmento de cabelos afros surgiu por meio de pessoas que viam sua habilidade com tranças e buscavam por atendimento diferenciado, motivando ela a investir no ramo.
“Sempre tive muita afinidade com as tranças, mas nunca imaginei que poderia ter um negócio nesse mundo, o processo de chegar até aqui aconteceu naturalmente e com o incentivo de outras mulheres que queriam consumir esse serviço”.
Estefanny pontua que atende 21 clientes por mês, que variam entre homens, mulheres e crianças, e oferece em seu espaço, serviços de tranças Boxeadora, Fulani com orgânico,Twist braids, Gypsy braids, Box Braids, Fulani braids, Crochet braids, Ghana braids, Nagô, além de manutenção de Box Braids e combo de corte de cabelo. Embora, o serviço mais procurado, segundo ela, são as Box Braids.
No entanto, de acordo com Estefanny, o segmento de tranças afros também enfrenta desafios quando se fala no mercado que contempla a demanda em Natal.
“Sinto que os maiores desafios são fornecedores e ferramentas que nos ajudem a entregar um trabalho de qualidade e com fácil acesso”.
Apesar dos desafios, Estefanny acredita no poder de seu trabalho e na força da luta que detém as raízes negras, relatando que já teve várias experiências emocionantes de aceitação que marcaram sua trajetória como afro-cabeleireira, mas uma em especial ela descreve com muito carinho, o atendimento a um garotinho negro que após o serviço, pôde se enxergar com outro olhar.
“Amo atender crianças, acredito que mostrar outras possibilidades de aceitação e autoestima nesse processo de desenvolvimento é muito importante e no atendimento de um rapazinho chamado José, um menino preto lindo com o cabelinho crespo, que fez tranças pela primeira vez. Ele estava super ansioso para ver o resultado e quando mostrei pude presenciar o reconhecimento. José se sentindo lindo ao se ver de tranças pela primeira vez, e o que mais me chamou atenção foi o comentário dele sobre ser a primeira vez que ele estava vendo o próprio couro cabeludo, porque até então só tinha visto o cabelo cortado ou solto num blackinho”.
As tranças como identidade social e cultural
Estudos apontam que as tranças surgiram na África, 3,5 mil anos antes de Cristo. O penteado “cornrowns”, ou nagô, era usado para diferenciar tribos, idade, estado civil, classe social e a religião em reinos africanos. Segundo a autora do “Livro do Cabelo”, Leusa Araújo, até hoje elas têm muita presença em países africanos, como Somália, Madagascar, Angola, Nigéria e Senegal.