Por Raimundo Mendes Alves
Vivemos um tempo em que palavras como “liberdade”, “justiça” e “democracia” são repetidas à exaustão, mas muitas vezes esvaziadas de seu real conteúdo. Em meio à crescente tensão institucional, polarização política e desinformação deliberada, é essencial reafirmar uma verdade basilar: não existe democracia fora dos limites do Estado de Direito. A democracia, se não for constitucional, rapidamente degenera em autoritarismo populista.
Sem pretensão de polemizar ou fazer qualquer proselitismo literário, mas apenas uma análise perfunctória do que presenciamos nas mídias nacionais, entendemos que o Estado de Direito é mais do que uma abstração jurídica. Ele é o alicerce da convivência civilizada e da limitação do poder. Significa que todos estão submetidos às leis, inclusive — e principalmente — os governantes. E mais: as leis devem ser legítimas, produzidas segundo o devido processo legislativo, e orientadas pela justiça e pela dignidade humana.
No Brasil, a Constituição de 1988 consagrou o Estado Democrático de Direito como fundamento da República (art. 1º, caput), elevando a legalidade, a moralidade e a proteção dos direitos fundamentais ao mais alto patamar normativo. Isso implica, entre outras coisas, a garantia do devido processo legal, da ampla defesa, do contraditório, da imparcialidade judicial e da independência dos Poderes.
Não há como sustentar um regime democrático quando se relativiza o devido processo ou se ataca os alicerces do Judiciário. Sem regras estáveis, sem previsibilidade jurídica e sem instituições fortes e independentes, o que resta é a força bruta travestida de vontade popular.
A democracia não se esgota na realização de eleições. Como ensina Norberto Bobbio, o verdadeiro teste da democracia está na proteção dos direitos das minorias, na existência de uma imprensa livre, e na autonomia das instituições. Por isso, a maioria não tem o direito de suprimir as garantias fundamentais da minoria. A Constituição é o freio da paixão majoritária.
Historicamente, as maiores tragédias institucionais ocorreram sob a falsa justificativa de “defesa da democracia”. O golpe civil-militar de 1964 foi vendido como um remédio contra o caos, mas impôs ao país décadas de censura, repressão e violação sistemática dos direitos humanos. O mesmo se vê hoje em países onde, eleitos pelo voto popular, líderes promovem o desmonte do Judiciário e o silenciamento da oposição. A eleição não legitima o autoritarismo.
O respeito ao Estado de Direito não é um capricho da elite jurídica. É o que garante a liberdade de expressão, a presunção de inocência, a proteção contra abusos de poder e o direito de cada cidadão a um julgamento justo. Quando se permite que as leis sejam interpretadas conforme conveniências ideológicas ou que instituições sejam instrumentalizadas para fins políticos, perde-se a neutralidade do Direito — e, com ela, a confiança da sociedade.
Como advogado e cidadão, reafirmo: a democracia só é real quando o poder está limitado pela Constituição, os direitos fundamentais são respeitados, e ninguém está acima da lei.
Por isso, em tempos de ataques às instituições, cabe a cada um de nós, especialmente àqueles que atuam na seara jurídica, manter a firmeza ética e o compromisso com a legalidade. Não há outro caminho legítimo: ou se respeita o Estado de Direito, ou não há democracia.
Natal-RN, 03 de maio de 2025.
Raimundo Mendes Alves
A d v o g a d o