O Ministério Público do Rio Grande do Norte (MPRN) emitiu um relatório de diagnóstico sobre os serviços socioassistenciais do Município de Natal destinados ao atendimento de crianças e adolescentes. O documento apontou uma série de problemas estruturais identificados ao longo de um ano de estudos e análises. O relatório é direcionado à Secretaria Municipal de Trabalho e Assistência Social (Semtas) e fixa prazo de cinco dias para que sejam indicadas providências sob risco de abertura de novas demandas judiciais.
O documento se concentra na garantia dos direitos das crianças e adolescentes, com ênfase na proteção social proporcionada pelas políticas de assistência social. Entre os problemas identificados estão: oferta regular de manutenção das estruturas físicas, de materiais permanentes e de consumo, de serviços de internet e telefonia; desfalques das equipes e Carreira Suas; implantação do serviço de família acolhedora, reestruturação da Unidade de Acolhimento III e do serviço de Casa-Lar. Atualmente, o MPRN possui atuação na seara judicial para todos os casos em que não foi possível uma solução administrativa.
O relatório aponta que, em Natal, “existe um grande perigo de que os serviços de acolhimento para crianças e adolescentes entrem em colapso em breve”. Esse problema começou a se manifestar com as dificuldades estruturantes enfrentadas pela Unidade de Acolhimento Institucional III e se agravou com a notícia de que as Aldeias Infantis SOS Brasil vão encerrar suas atividades na cidade no segundo semestre de 2024. As situações das unidades são alvo de duas ações civis públicas – processo nº 0814701-64.2022.8.20.5001 e processo nº 0874689-79.2023.8.20.5001.
As Aldeias Infantis SOS Brasil são um tipo de acolhimento mais familiar, chamado Casa-Lar. Com o encerramento dessas atividades, e sem a perspectiva de contratação de outra organização para substituí-las, o município não demonstra capacidade administrativa para assumir diretamente a responsabilidade pelo serviço. As Aldeias Infantis continuarão prestando seus serviços em municípios próximos, como Caicó e Mossoró.
Ainda sobre a rede de acolhimento familiar, o relatório aponta problemas na Unidade III, destinada a adolescentes com laços familiares rompidos ou instáveis. Entre as situações extremas, há atos infracionais cometidos pelos próprios acolhidos, inclusive violência sexual. Entre 2020 e 2023, foram registrados 75 boletins de ocorrência de atos infracionais relacionados a esses acolhidos, de acordo com dados da Delegacia Especializada na Proteção da Criança e do Adolescente (DPCA).
Na análise do MPRN, os problemas da alta complexidade refletem um colapso que se inicia ainda na Proteção Social Básica. Em Natal, o relatório aponta que a coordenação entre assistência social e outras políticas, as condições de trabalho e a fragilidade dos órgãos competentes contribuem para a ineficácia das medidas preventivas.
Na área de recursos humanos, os problemas são especialmente visíveis. Em 2015, a Semtas realizou um concurso, decorrente de atuação do MPRN, resultando na contratação de 70% de seu pessoal como servidores concursados. No entanto, um levantamento feito pela equipe técnica das Promotorias da Infância e Juventude em 2023 revelou um deficit de 84 profissionais nos órgãos responsáveis pelo atendimento a crianças e adolescentes. A situação é principalmente atribuída à falta de valorização, sobrecarga, adoecimento e às condições precárias de trabalho.
Em relação à estrutura dos órgãos, o relatório apontou ausência de manutenção preventiva e corretiva, além da falta de adaptação dos prédios às exigências do trabalho, como previsto pelas normas. Quanto aos recursos materiais, há irregularidades e insuficiência no fornecimento de materiais de consumo, ao passo que os materiais permanentes sofrem deterioração e não são substituídos.
O relatório foi encaminhado à gestão e aos órgãos interessados (Secretaria do Gabinete Civil, Semtas e as coordenações dos serviços, CEIJ, Frente Parlamentar Municipal de Defesa dos Direitos das Crianças e Adolescentes, Comdica, Conselho Municipal de Assistência Social, Conselhos Tutelares, Centro Operacional de Apoio às Promotorias da Infância e Juventude e Cedeca), para fomentar a mobilização e a discussão pública em torno dessas que são questões de interesse social.