7 de janeiro… Há cinquenta e três anos, em 1972, falecia “Avô”, José Horácio de Oliveira Góes, em Natal. Em 28 desse mês completaria 83 anos de idade (nascera em 28/01/1889 – início do ano da proclamação da República no Brasil). Eu morava no Recife, onde trabalhava e estudava Direito e Filosofia. Lembro-me dele frequentemente. Dele colhi memórias valiosíssimas, que encantaram minha infância e adolescência. Algumas eram informações de um tempo muito antigo e se referiam a costumes, crenças, linguagem, modo de viver, fauna, flora… um tempo distante, do final do século XIX e alvorecer do século XX. Várias dessas informações e histórias, por ele relatadas com humor e fluência, estão num livro que tenho em preparo, “GAMBOA DAS BARCAS – Retratos da memória”. O nome é uma homenagem à Ilha de Manoel Gonçalves, cidade-mãe de Macau, também ilha e berço de meu nascimento.
Múltiplas foram as atividades exercidas por ele em sua vida, e descrevê-las todas traria enfado a estas limitadas linhas… Afinal, até mesmo ele, quando perguntado, me dizia: “Fui tudo, meu filho, menos guia de cego!”
Tinha razão! Somente algumas delas – vaqueiro, correio a cavalo e marítimo – já comportavam muitas histórias.
Ainda muito jovem, começo do século XX, fora vaqueiro de seu pai, na Fazenda Olho d’Água, à época Município de Touros (atualmente, São Miguel do Gostoso). Ele e os irmãos cuidavam do gado, mas também plantavam e caçavam, num tempo de natureza quase virgem, quando todo o Estado do Rio Grande do Norte tinha apenas pouco mais de 270.000 habitantes – a Directoria Geral de Estatistica (IBGE, hoje) registrava 274.317.
Dessa sua fase de vaqueiro e cuidador das criações de seu pai, há um episódio naquele meu livro. Ei-lo:
”Com atenção voraz, sigo o relato de meu avô. Conta-me como matou a onça que devorava bodes do sítio de seu pai. 1908? 1909? Matou-a em Macau ou em Touros, terras do pai ou do compadre Majó Onofrinho?
Caçador exímio, tinha o hábito sertanejo, frequente à época, de mascar fumo de rolo (não mencionasse, embora, a caipora).
Ao seguir rastos, viu restos: carcaças de bodes entre as folhas secas à sombra de uma oiticica. Subiu ao contrário do vento. Da fera faro e audição aferidos, pendurou a cabaça num galho, para cuspir.
De lá partiu o tiro fatal, com resposta no bote que se perdeu no chão.”
Mas o caçador seria um dia caçado pela malária em sua luta pela conquista da região, e, a conselho médico, que orientava o seu retorno ao semi-árido, voltou às suas origens no Sertão Central. Com a minha avó e seu filho mais velho (meu pai) desembarcou em Macau. Sua mãe era dali, da Ilha dos Felipes, hoje Município de Pendências… Estava em casa, cercado de familiares.
Os serviços de Correio a Cavalo foram aperfeiçoados no Brasil em meados do Segudo Império.
Nos Estados Unidos era conhecido como “Pony Express”. Entre 1918 e 1920, meu avô foi contratado, algo como estafeta montado, para fazer entregas endereçadas às cidades compreendidas entre Macau e São Rafael (às vezes, até Caicó). Trabalho duro e arriscado, pois conduzia, além de cartas, valores. Com efeito, nas imediações de Ipanguaçu, em viagem cujo destino final era São Rafael, chegou certa vez a enfrentar uma tentativa de assalto. E, numa cena de autêntico faroeste, reagiu, dominou o assaltante, amarrou-lhe os punhos, ligando a corda ao pito do cabeção da sela, sentenciando em seguida: “Viu, seu cabra, o que você causou?! Agora vou deixá-lo na cadeia de Assu. Você vai a pé; eu, a cavalo!”.
O futuro lhe foi mais promissor. Havendo sido marítimo, com desempenho de atividades na costa de Macau, considerada zona de guerra durante a Segunda Guerra Mundial, teve direito à aposentadoria especial de ex-combatente, o que lhe garantiu tranquilidade financeira para o resta de sua vida.