Em um país onde as desigualdades social e racial ainda são muito fortes e enraizadas em nossa sociedade, estudiosos do tema afirmam que é necessária a existência de políticas afirmativas que defendam e priorizem a ideia de reparação histórica, cultural e social. Foi com base nessa carência que foi aprovada há 11 anos a Lei n° 12.711/2012, a chamada “Lei de Cotas”, que nasceu projetada para reduzir a exclusão social no âmbito educacional frente ao legado dos mais de 300 anos de escravidão que mancharam a história do Brasil.
Para a especialista em Educação em Direitos Humanos, Sandra Melo, a legislação é fundamental para a redução da desigualdade racial e do racismo estrutural, infelizmente ainda muito fortes no Brasil. “A Lei de Cotas é importante e extremamente relevante para diminuir a desigualdade racial em nosso país, uma vez que é uma reparação do estado numa tentativa de atenuar o racismo estrutural, resultante de anos de escravização no nosso país”, explicou.
Ela afirmou que a legislação promulgada em 29 de agosto de 2012, fruto de muita luta do movimento negro, trouxe muitas e importantes mudanças ao garantir a reserva de 50% das vagas nas universidades e instituições federais de ensino técnico e de nível médio para pretos, pardos, indígenas, pessoas com deficiência e estudantes de escola pública. Sendo que a reserva das vagas deve seguir a proporção de pessoas negras na população do estado, conforme o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE).
“Foram muitas transformações que a Lei de Cotas garantiu. Levando em consideração que a maioria da população do nosso país é preta ou parda e estudantes de escolas públicas, essa lei abriu e ampliou as possibilidades de curso superior, de concurso público. Enfim, ela trouxe novas perspectivas de formação profissional para a classe popular”, explicou Sandra Melo.
Para entender a necessidade da legislação em questão, é importante também destacar os dados étnicos raciais oficiais no Brasil. De acordo com dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), em 2019, cerca de 46,8% dos brasileiros se declararam como pardos, 9,4% como pretos e 1,1% como amarelos ou indígenas. Pardos, pretos e indígenas no Brasil somam cerca de 56,2% da população brasileira.
REVISÃO TROUXE MELHORIAS
A especialista, mestre em Artes e coreógrafa do Grupo de Dança e Performance Antirracista Hun, falou sobre as mudanças promovidas pela primeira revisão da Lei de Cotas, sancionada pelo presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no último dia 13 de novembro. O projeto, aprovado pelo Congresso Nacional, manteve a espinha dorsal da legislação original e incluiu, por exemplo, os estudantes quilombolas nas cotas.
Ou seja, 50% das vagas das universidades e instituições federais continuam reservadas para alunos de escolas públicas de baixa renda, pretos, pardos, indígenas e pessoas com deficiências e, agora, para os quilombolas. Outra mudança aprovada foi que os cotistas vão, inicialmente, disputar as vagas gerais e, caso não consigam a vaga na ampla concorrência, usarão as notas que tirarem para disputar as vagas previstas nas cotas.
“Já foram aprovadas algumas mudanças importantes pelo atual presidente, como a inserção dos quilombolas e a redução da renda familiar exigida”, falou Sandra Melo, para quem a inserção dos quilombolas na Lei de Cotas é uma reparação histórica necessária para que o país possa iniciar a redução, de fato, da desigualdade racial.
Ela frisou ainda a que a revisão da legislação ampliou a política de cotas para a pós-graduação, apesar de ser de responsabilidade das universidades a decisão sobre a quantidade de vagas ofertadas. “E dá prioridade aos cotistas no recebimento de auxílio estudantil, além de prever uma reavaliação da política de cotas a cada dez anos e o monitoramento anual dos resultados”.
Outro destaque para as mudanças sancionadas por Lula é que, além do Ministério da Educação, também passam a ser responsáveis pelo acompanhamento da política de cotas os ministérios da Igualdade Racial, dos Direitos Humanos e da Cidadania, dos Povos Indígenas e a Secretaria Geral da Presidência da República.
SURGIMENTO DA LEI DE COTAS
Sancionada no ano de 2012, a Lei de Cotas é o resultado de um conjunto de lutas sociais por parte do movimento negro, ocorridas durantes décadas antes da sua promulgação. Em 2002, as universidades estaduais da Bahia (Uneb) e do Rio de Janeiro (UERJ) tornaram-se precursoras na implementação de ações afirmativas para o ingresso de negros nas universidades. A Universidade de Brasília (UNB) foi a primeira da rede federal a adotar as políticas de cotas, em 2004.
“No cenário brasileiro, a mudança mais notória é a quantidade de pessoas negras com formação superior que, apesar de ainda precisar aumentar o número, teve um crescimento importante. Não resta apenas o trabalho subalterno que a sociedade racista estruturalmente nos oferta, mas existem novas possibilidades”, explicou a especialista Sandra Melo.
Vale ressaltar que a revisão da Lei de Cotas não se aplica a concursos públicos, visto que são legislações distintas. A Lei N° 12.990/2014, que dispõe a reserva de 20% das vagas para pessoas negras nos concursos públicos, também será objeto de revisão, mas somente em 2024, dez anos após a sua publicação.

