Por Raimundo Mendes Alves
Advogado
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Resumo
Este artigo propõe uma reflexão sobre duas regiões brasileiras que, mais do que simples divisões administrativas, se apresentam como verdadeiras nações simbólicas: o Nordeste e o Rio Grande do Sul. A partir da célebre provocação do poeta Santana o Cantador — “o restante é povo” —, sem pretender fazer qualquer proselitismo literário, mas tão somente uma análise perfunctória sobre o tema, onde o texto analisa os elementos culturais, históricos e simbólicos que fazem dessas duas regiões identidades coletivas enraizadas, com expressiva consciência de pertencimento e coesão social.
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Introdução: Identidade como Expressão de Soberania Cultural
O Brasil é uma nação marcada por sua pluralidade, mas nem toda pluralidade gera identidade. Em um território tão vasto, observa-se que algumas regiões conseguiram não apenas preservar suas raízes, mas transformá-las em símbolos vivos de resistência e orgulho. É o caso do Nordeste e do Rio Grande do Sul. Ambas se destacam por possuírem não apenas território, mas também memória, cultura, linguagem e valores que as tornam verdadeiras nações dentro de uma pátria.
A provocativa fala do poeta e cantador Santana o Cantador, quando expressa que : “o Brasil tem duas nações: a Nordestina e a Gaúcha. O restante é povo.” — não pretende diminuir as demais regiões, mas exaltar a solidez cultural de dois povos que, ao longo dos séculos, resistiram às forças do esquecimento e da homogeneização. Nessa frase, está contido um chamado à reflexão: o que transforma um povo em nação?
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A Nação Nordestina: Solo de Sol, Raiz de Resistência
O Nordeste é onde o Brasil começou. Foi ali que chegaram os primeiros colonizadores, onde se erguem os marcos mais antigos da nossa história. Mas, além de ser o berço cronológico do país, o Nordeste tornou-se também o coração simbólico da resistência brasileira. Em sua terra rachada pela seca, nasceu um povo inteiro feito de fé, trabalho e poesia.
Com o tempo, os nordestinos transformaram a adversidade em sabedoria popular, a escassez em criatividade. O baião, o xote, o repente, o cordel e o forró não são apenas manifestações artísticas — são expressões de uma alma coletiva. São João, Padre Cícero, Luiz Gonzaga, Lampião e Maria Bonita compõem um panteão místico e popular que habita o imaginário de milhões.
O nordestino dança sobre a seca, canta sobre a fome, ora com o rosário numa mão e ergue o punho cerrado com a outra. A língua é viva, a comida é identidade, a música é resistência. Não há disfarce: o Nordeste é autêntico, com suas dores e suas belezas. E, por isso mesmo, é nação.
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A Nação Gaúcha: Liberdade, Tradição e Memória
O Rio Grande do Sul, por sua vez, forjou-se na luta. É terra de revoluções, de fronteiras disputadas, de bravura e honra. O gaúcho não é apenas o homem da lida campeira — é o símbolo de um povo que vive e respira a ideia de liberdade. A Revolução Farroupilha ainda pulsa nos corações sulistas como um ideal de autonomia e fidelidade à própria cultura.
No Sul, a tradição é um valor inegociável. A bombacha, o lenço no pescoço, o mate compartilhado, o fogo de chão, as danças tradicionais e os festivais nativistas não são meros adereços folclóricos: são compromissos com a ancestralidade. A cultura gaúcha é ensinada no galpão, perpetuada no CTG, celebrada nos rodeios e discutida nas rodas de chimarrão.
Ali, o passado é vivo, e o futuro se constrói sem renunciar à origem. O gaúcho sabe de onde veio e não hesita em carregar esse pertencimento como um estandarte. Ele tem orgulho do seu chão, da sua história e do seu sotaque. E, por isso, também é nação.
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Povo ou Nação? A Consciência do Pertencimento
A distinção feita por Santana é provocadora, mas profundamente simbólica. “O restante é povo”, disse ele. E talvez esteja certo. Pois ser povo é existir — mas ser nação é saber por que se existe, com quem se caminha e o que se carrega na alma. Ser povo é viver o cotidiano; ser nação é ter projeto, é ter memória, é ter identidade.
Enquanto o Nordeste e o Sul se reconhecem em símbolos, práticas, sotaques, ritmos e narrativas próprias, outras regiões do Brasil ainda oscilam entre a perda e a busca de uma identidade mais nítida. Isso não é uma crítica, mas um chamado. Um convite para que todas as regiões redescubram seus próprios mitos fundadores, suas raízes adormecidas, seus cantos silenciados.
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Conclusão: Duas Almas que Ensinaram o Brasil a Ser
O Brasil é um país ainda em busca de si mesmo. Em meio à globalização, ao consumo desenfreado e à diluição das referências culturais, olhar para o Nordeste e para o Sul é um ato de reencontro. Elas nos ensinam que é possível ser moderno sem deixar de ser ancestral, que é possível ser plural sem perder raízes.
Essas duas nações ensinam que é preciso mais do que território para ser país — é preciso memória, cultura e identidade coletiva. E nisso, a Nação Nordestina e a Nação Gaúcha já são soberanas.
Que o Brasil escute essas vozes. Que se inspire nessas almas. E que, um dia, possa ser mais do que apenas povo: que se torne também nação.
Natal-RN, 22 de abril de 2025
Raimundo Mendes Alves
A d v o g a d o