O apagão massivo que atingiu Portugal, Espanha e partes do sul da França no último dia 28 de abril é um alerta claro e direto ao mundo: a crise climática já está desestabilizando a infraestrutura crítica das sociedades contemporâneas. A explicação inicial — um raro fenômeno atmosférico que teria gerado oscilações na rede elétrica espanhola — rapidamente deu lugar a análises mais profundas, que apontam para um cenário mais preocupante: a crescente vulnerabilidade dos sistemas energéticos diante de um clima em colapso.
A Europa, mesmo com seus avanços tecnológicos e seu compromisso histórico com fontes renováveis, sofre os efeitos combinados de eventos extremos cada vez mais frequentes, redes elétricas sobrecarregadas e, sobretudo, de um modelo de desenvolvimento ainda guiado pelo lucro e pela lógica do crescimento ilimitado.
Do outro lado do Atlântico, o Brasil se prepara para sediar a COP30, em Belém (PA). Temos a oportunidade histórica de liderar um novo ciclo: um modelo baseado na justiça climática, na proteção ambiental e na soberania energética limpa e renovável. Mas essa liderança exige coerência.
Hoje, o Nordeste brasileiro — região que se tornou um dos maiores polos de geração de energia solar e eólica da América Latina — produz energia limpa em escala, mas enfrenta gargalos estruturais, técnicos e regulatórios para escoar e valorizar essa produção. Empreendimentos são conectados tardiamente, geradores não são remunerados de forma justa, e ainda assistimos a políticas públicas que favorecem fontes fósseis, inclusive com novos incentivos ao gás natural e ao petróleo na foz do Amazonas.
O apagão europeu, portanto, deve servir como um espelho do futuro: ou nos antecipamos com planejamento energético sério, justiça territorial e visão ambiental estratégica, ou viveremos as mesmas consequências. A transição energética não pode ser adiada, nem sequestrada por interesses imediatistas.
A COP30 precisa marcar o rompimento com a inércia. Não bastam discursos. Precisamos de investimento pesado em infraestrutura de energia renovável, integração regional justa, fomento à ciência climática brasileira, e respeito às comunidades tradicionais e povos indígenas que protegem os principais biomas do planeta.
Se não atuarmos agora, o “ponto de não retorno” de que fala o cientistas Carlos Nobre deixará de ser uma previsão para se tornar uma herança amarga. O Brasil pode — e deve — liderar. Resta saber se o conjunto do Estado brasileiro e sua elite política estarão à altura da história.