O Brasil foi notificado de nova sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CorteIDH) que reconhece a responsabilidade internacional do país por graves violações de direitos humanos cometidas no contexto da ditadura militar (1964–1985). A decisão, de 11 de dezembro, se refere ao Caso Leite, Peres Crispim e outros vs. Brasil, e envolve práticas como detenção arbitrária, tortura, execução extrajudicial e a ausência de investigação e punição dos responsáveis.
Na sentença, datada de 4 de julho de 2025, a CorteIDH declarou que o Estado brasileiro falhou em investigar adequadamente e aplicou indevidamente a prescrição em relação à detenção, tortura e execução de Eduardo Collen Leite, além de não ter atuado de forma oportuna e efetiva na apuração das violações sofridas por Denise Peres Crispim, inclusive quando estava grávida.
O Tribunal também reconheceu a violação do direito à verdade e à integridade pessoal de Denise Peres Crispim, de sua filha Eduarda Ditta Crispim Leite e de Leonardo Ditta, em razão da impunidade prolongada e da ausência de respostas estatais adequadas ao longo de décadas.
Durante a audiência realizada em São José, na Costa Rica, o Estado brasileiro reconheceu sua responsabilidade pela violação do direito à integridade pessoal de Denise Peres Crispim e de Eduarda Ditta Crispim Leite, em razão do sofrimento causado pela falta de sanção dos responsáveis pelos fatos.
Entenda o caso
Eduardo Collen Leite e Denise Peres Crispim se conheceram em agosto de 1969 e participaram de organizações políticas de oposição à ditadura militar vigente no país. Em janeiro de 1970, ao engravidar, Denise deixou de atuar em atividades armadas, passando a se dedicar a outras formas de militância política.
Em 23 de julho de 1970, Denise Peres Crispim, grávida de seis meses, foi detida por agentes estatais na entrada de sua residência, sob acusação de subversão e terrorismo. Sob custódia estatal, foi interrogada e submetida a torturas entre os meses de julho e agosto daquele ano.
Eduardo Collen Leite também foi detido por agentes do Estado, permanecendo sob custódia por mais de três meses e sendo submetido a torturas. De acordo com informações da Comissão Nacional da Verdade, ele foi torturado durante 109 dias. Em 8 de dezembro de 1970, foi divulgada a versão oficial de que sua morte teria ocorrido em um suposto confronto armado. Investigações posteriores e relatórios oficiais demonstraram que se tratou de uma execução extrajudicial.
A filha do casal, Eduarda Ditta Crispim Leite, nasceu enquanto Denise se encontrava internada em um hospital clandestino sob custódia estatal. Apenas em 2009 foi possível retificar sua certidão de nascimento, com o reconhecimento oficial da paternidade de Eduardo Collen Leite.
Direito à verdade
Na decisão, a Corte Interamericana concluiu que os fatos analisados configuram crimes contra a humanidade, por terem ocorrido no âmbito de um ataque sistemático e generalizado contra a população civil, direcionado a opositores políticos do regime autoritário. O Tribunal reafirmou que esse tipo de crime é imprescritível à luz do Direito Internacional e que o Estado tem o dever permanente de investigar, processar e, se for o caso, sancionar os responsáveis.
A CorteIDH também reconheceu a violação dos direitos à integridade pessoal, às garantias judiciais, à proteção judicial e ao direito à verdade em prejuízo de Denise Peres Crispim, de sua filha Eduarda Ditta Crispim Leite e de Leonardo Ditta. No caso de Leonardo, o Tribunal o incluiu como vítima em razão de sua atuação direta, ao lado de Denise, nas iniciativas empreendidas ao longo dos anos para a busca por justiça.
Medidas de reparação
Como medidas de reparação, a Corte Interamericana determinou, entre outras providências, que o Estado brasileiro:
- Realize investigações penais efetivas sobre a tortura e execução de Eduardo Collen Leite e sobre a tortura de Denise Peres Crispim
- Promova a busca sistemática pelos restos mortais de Eduardo Collen Leite
- Realize um ato público de reconhecimento de responsabilidade internacional
- Publique e difunda amplamente a sentença
- Adote medidas para assegurar, sem exceções, a imprescritibilidade dos crimes contra a humanidade
- Efetue o pagamento de indenizações às vítimas e seus familiares.
A Corte Interamericana acompanhará o cumprimento integral da sentença até que todas as determinações sejam implementadas pelo Estado brasileiro.

