A censura, velha conhecida da humanidade, nunca foi apenas um detalhe nos regimes autoritários. É seu eixo central, seu músculo mais eficiente. Serve para controlar o que se pode dizer, escrever, cantar, filmar ou postar – sempre com o “nobre” objetivo de proteger o povo da “mentira”, da “desinformação” ou, mais recentemente, do “discurso de ódio”. Na prática, é o truque mais antigo do mundo: o Estado decide o que é verdade, e quem discordar que aguente as consequências.
Nos sistemas fechados, a coisa é escancarada. Cria-se um ministério, uma comissão ou um gabinete com nome pomposo para decidir o que pode ou não chegar ao ouvido dos cidadãos.
Notícia que fale em corrupção, em violação de direitos humanos ou em qualquer crítica ao governo? Sai do ar. Livro com ideias “perigosas”? Censurado. Peça de teatro que questiona o poder? Cancelada. A repressão é tão institucional quanto qualquer Ministério.
Mas nem tudo precisa vir com farda e porrete. Muitas vezes, o próprio medo faz o serviço: jornalistas e artistas passam a se autocensurar. Não tocam em certos assuntos. Evitam nomes. O medo da retaliação, do processo, do linchamento virtual, da patrulha. A censura vira um reflexo condicionado, como quem olha para os lados antes de atravessar uma rua deserta. O debate público vira um pântano de silêncio oblíquo, no qual todos sabem que há limites, embora ninguém diga quais são.
Agora, o que dizer quando essa lógica se infiltra em regimes democráticos? Sim, meus caros leitores, nas democracias. Países com Constituição, eleições e imprensa livres. A censura prévia, nesse ambiente, costuma vir disfarçada de zelo. Juízes determinam que reportagens não sejam publicadas. Livros são proibidos “preventivamente”. Perfis são apagados para “proteger a honra” de alguém, ou porque “ameaçam a estabilidade democrática”. A desculpa é sempre nobre. O resultado, nem tanto. Quase nunca.
No Brasil, esse tipo de prática tem ganhado terreno, embalado por uma polarização política burra, infantil e seletiva. Forças ligadas ao governo pressionam as chamadas big techs para remover conteúdos presumidamente nocivos. Fala-se em regulação de plataformas, exigência de transparência em algoritmos, controle de fake news. Tudo em nome da defesa da democracia, ou seja, tudo em nome da censura seletiva com verniz democrático.
O problema é que esse jogo é jogado por dois lados igualmente incoerentes. Quando o Instagram e o Facebook desativaram o perfil do influenciador Jones Manoel – um comunista militante (sim, esse povo ainda existe) desses que se veem como cavaleiros andantes que lutam contra os dragões fascistas – foi a direita quem aplaudiu. Justamente ela, que vive berrando contra a censura, pulou de alegria com a mordaça do inimigo.
A esquerda, que vive defendendo a regulação das redes e a caça a perfis da extrema direita, desta vez chiou. Achou um absurdo. Esqueceu que vibrou, com champanhe e hashtags, quando Alexandre de Moraes mandou bloquear Alan dos Santos, Paulo Figueiredo, Rodrigo Constantino e outros desafetos do STF.
Ou seja: esse pessoal não tem princípio. Tem lado. É um bando de fanáticos – de esquerda, de direita, tanto faz – que só reclama da censura quando ela morde o próprio rabo. Quando morde o adversário, aplaude.
Se essas patotas se organizarem direitinho, todo mundo vai ter o seu lugarzinho garantido na censura. A turma do governo federal já tem seu juiz de estimação. A turma do capitão Bolsonaro precisa apenas botar o seu juiz em campo. Aí sim, teremos censura democrática, inclusiva e plural. Para todos os gostos. E nenhum pensamento livre.