Vivemos em uma era em que o fluxo de informações é incessante e abrangente, moldando percepções, comportamentos e até mesmo valores de maneira jamais vista. A comparação entre a televisão e as redes sociais, por exemplo, revela camadas profundas de complexidade sobre como consumimos conteúdo e como somos influenciados por ele. A TV, tradicionalmente consolidada, opera sob concessões públicas e está sujeita a uma série de regulamentações de matriz constitucional que garantem certo grau de responsabilidade e transparência. Sabemos quem são os emissores das mensagens, onde estão localizados e como as narrativas são construídas. Há um rosto, um lugar e um processo claro por trás do que assistimos.
As redes sociais, no entanto, operam em um espectro radicalmente diferente. Estes são meios que buscam o anonimato, não apenas dos seus proprietários, mas também dos seus usuários e eventuais responsáveis. É bem verdade que as técnicas de investigação minimamente acuradas embora deixem evidente a ilusão do anonimato, seu encorajamento é capaz de gerar danos irreversíveis e incalculáveis. A falta de transparência cria um ambiente onde a irresponsabilidade não só floresce, como é incentivada. A privacidade torna-se um bem negociável e os dados pessoais são moeda de troca para algoritmos que têm o poder de manipular comportamentos e opiniões de forma quase imperceptível. As grandes empresas de tecnologia, que administram as principais redes sociais, detêm o recurso mais valioso do capitalismo digital: os dados privados dos usuários. Sim, é verdade que as grandes empresas de tecnologia, que gerenciam redes sociais e outras plataformas digitais, possuem acesso a uma enorme quantidade de dados privados que são disponibilizados de forma graciosamente ingênua pelos seus usuários. Esses dados são frequentemente considerados um dos ativos mais valiosos no capitalismo digital porque permitem que essas empresas criem algoritmos mais eficientes, personalizem anúncios, influenciem comportamentos de compra e, em alguns casos, sejam decisivos nas escolhas eleitorais. Essa capacidade de coletar e analisar grandes volumes de dados confere a essas empresas uma influência significativa e poder no mercado e na sociedade jamais vista.
Esses algoritmos, desenhados para maximizar o engajamento, frequentemente capitalizam em dois dos instintos mais básicos do ser humano: o interesse pelo trágico e pelo escandaloso.
Notícias falsas e conteúdos sensacionalistas tendem a receber mais atenção, gerando mais cliques, mais visualizações e, por fim, mais lucro. Dessa forma, as denominadas big techs, armadas com dados pessoais e capacidades de análise e intervenção sem precedentes, alcançam um nível de influência que beira ao divino.
Onipresença, onisciência e onipotência são atributos teológicos tradicionalmente associados a divindades, mas que curiosamente se aplicam às redes sociais de um modo peculiarmente distorcido. Enquanto as divindades buscam o bem-estar e a orientação moral de seus seguidores, as redes sociais parecem ter como fim último o engajamento — a qualquer custo.
Este paralelo entre o divino e o digital não é apenas uma metáfora intrigante, mas um alerta sobre a magnitude do poder que essas plataformas detêm. Se a televisão, mesmo com todas as suas regulamentações, já é considerada uma ferramenta poderosa de influência, que dizer das redes sociais, que operam em grande medida sem qualquer supervisão ou controle externo significativo?
A necessidade de regulamentação se faz urgente. Não é apenas uma questão de privacidade ou de proteção de dados, mas de segurança, ética e soberania nacional. As democracias modernas enfrentam aqui um de seus maiores desafios: como equilibrar a liberdade de expressão com a proteção contra a manipulação massiva e desinibida que as redes sociais são capazes de exercer.
Por isso, este é um convite à reflexão e à ação. Precisamos de um debate robusto e de soluções concretas para garantir que o poder das redes sociais seja utilizado de forma responsável e ética.
Afinal, se vamos venerar alguma onipresença em nossas vidas, que seja uma que aspire ao nosso bem coletivo, não apenas ao lucro desmedido.