Hoje eu não estou ao microfone, na tribuna do plenário do Senado Federal, para defender minha posição nos projetos em votação. Venho aqui, neste artigo, registrar um exemplo do que eu chamo de Brasil bonito. Estou falando da literatura que transforma, que mobiliza, que abre a mente das pessoas e nos leva a lugares mais ousados de pensamento crítico, reflexão e empoderamento.
Recentemente, aqui no nosso amado Rio Grande do Norte, eu tive a honra de participar do encontro de fevereiro do Clube de Leituras Mulheres Lendo Mulheres. Estar reunida com aquele grupo foi ainda mais especial porque estive ao lado de Clotilde Tavares, uma ativista insubmissa e intelectual brilhante, que foi minha professora de medicina na Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
Clotilde é escritora, nutróloga, professora de nutrição, militante pelo progresso da ciência em muitas lutas, como integrante da Associação Brasileira de Médicas e Médicos pela Democracia (ABMMD). E eu me lembro de comícios, da presença sempre contestadora e de liderança dela – de tudo, enfim. Naquele dia, guardei com carinho o livro “De repente a vida acaba”, nova obra literária de Clotilde. Levei exemplares autografados pela autora para amigas militantes de Brasília.
Parabéns ao grupo “Mulheres Lendo Mulheres”. Desejo a elas vida longa, e manifesto meu desejo de que essas associações voluntárias de pessoas que gostam de pensar, que têm sensibilidade artística, se multipliquem no território potiguar e em todo o Brasil. Eu, falando disso aqui agora, só lembro-me daquela frase do Ferreira Gullar, nordestino como nós: “A arte existe porque a vida não basta”. E estar naquele clube de mulheres das letras foi, para mim, uma alegria. Eu me senti em casa, porque a literatura, como disse a grande escritora Adélia Prado, é “salvífica”, é um altar em que a gente se reúne para celebrar os melhores sentimentos humanos – e os piores também, não é? Por que não?!
E eu me recordo de quando eu era pequena, no sertão do Seridó: meu pai e minha mãe com 16 filhos pequenos. Meu pai pioneiro, visionário, um homem de vanguarda, sempre esteve à frente do seu tempo. Ele dizia que as meninas, as filhas dele, as oito mulheres, antes de se casar tinham que se formar, tinham que estudar e ter um diploma. E ele chorava quando a gente se casava!
Guardo essa lembrança com muito amor, com muito carinho porque eu lia compulsivamente. Com 14 anos, fui líder estudantil feminina da Casa dos Estudantes de Caicó. Eu lia muito romance, lia Jorge Amado, li livros de José de Alencar, e ficava inquieta porque queria saber logo o final da história… Até hoje esse vínculo com a literatura, com a escrita, me acompanha.
Zila Mamede
Eu me dirijo especialmente ao meu povo do Rio Grande do Norte, minha gente, minhas amigas queridas! Este é mais um motivo para eu estar aqui presente, celebrando a vida por meio da literatura. E como não falar de Zila Mamede, importante poetisa, jornalista e bibliotecária brasileira?! Ela nasceu no estado da Paraíba, mas se considerava uma genuína representante da cultura popular potiguar. Foi no Rio Grande do Norte que completou seus estudos e iniciou sua careira na literatura, chegando a publicar poemas em jornais de grande circulação nacional.
Zila também emprestou seu nome a biblioteca pública da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. No filme “Mulheres de Destaque: Zila Mamede”, produzido pela TV Câmara de Natal, amigos, familiares e estudiosos de sua obra contam a história dessa importante personagem da literatura brasileira.
Voto de louvor
Eu sempre digo: sou médica infectologista, e estou parlamentar, estou senadora. E eu nunca perco de vista quem eu sou e de onde eu vim. Neste mês em que se comemora o Dia Internacional da Mulher, faço aqui meu voto de louvor às mulheres escritoras do Rio Grande do Norte e do Brasil, às representantes das letras na academia, a todas as mulheres que transformam uma realidade ainda machista e desigual quando estão promovendo e celebrando a arte, a contestação, a sensibilidade humana, que é que de melhor nós temos para compartilhar e para contribuir com um mundo mais justo e mais bonito. Ainda mais nos tempos de hoje, em que esse mundo digitalizado está tão tóxico, em que as pessoas dedicam tão pouco tempo para os afetos, para os encontros presenciais, para a leitura de um livro, para saborear uma obra literária.
Celina Guimarães e Alzira Soriano
Com muito orgulho, como Procuradora Especial da Mulher do Senado, ressalto que a mulher potiguar é pioneira em ações revolucionárias da história do Brasil, não só nas letras. Neste mês, o direito ao voto feminino no Brasil completa 92 anos. E o Rio Grande Norte carrega alguns títulos do pioneirismo dessa luta. Nosso Estado foi o primeiro a estabelecer a não distinção de sexo para o exercício do voto, por meio da Lei Estadual 660, em 1927.
Assim, duas mulheres potiguares entraram para a história como a primeira eleitora e a primeira eleita do Brasil e da América Latina, como destaca uma bela reportagem da Agência Senado. Em 1927, a professora Celina Guimarães Viana, de Mossoró, foi a primeira mulher a se alistar e conquistar o direito de votar. No ano seguinte, em 1928, Alzira Soriano foi eleita prefeita da cidade de Lajes. Esses são só alguns exemplos.
Participação política
As mulheres são atualmente 52% do eleitorado brasileiro, segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Apesar de sermos maioria, há menos de um século não podíamos nem sequer votar. Passamos séculos sem ter o direito de aprender a ler e a escrever. O desafio das mulheres que nos antecederam, de se qualificar e participar da política, são muitas vezes persistentes. Hoje, nos locais que dependem de processo seletivo, nós já nos igualamos ou somos maioria em relação aos homens. Entretanto, nos locais de decisão, nos locais de poder, nós ainda somos o mínimo.
Nós, mulheres, temos que participar da vida pública. É a decisão política da Comissão Mista de Orçamento do Congresso que decide, por exemplo, para onde vão os recursos públicos do país para a saúde, a educação, a segurança pública e a assistência social de nossos filhos, famílias, netos. Se não tiver mulher na política, não há empoderamento de fato.
Por mais mulheres na política, na literatura, em todos os espaços de poder que elas quiserem ocupar!
Então, cá estou, Zenaide com as mulheres brasileiras! Zenaide PRESENTE!
Muito obrigada e contem comigo!