Dia 20 de novembro, Dia Nacional da Consciência Negra, agora é feriado nacional em nosso país. Nesses poemas, teço duas homenagens: à consciência de nossa negritude – nossa africanidade cultural e sanguínea – e à fraternidade universal, que deve prevalecer entre pessoas e povos, não apenas como exigência filosófica da moral humanista, mas como afirmação da diversidade do amplo patrimônio genético que nos compõe e nos une.
Vem-me à lembrança, também, dois grandes amigos africanos, que incluo nesta homenagem, ambos da Guiné Bissau, e que têm vida permanente em meu coração, embora um deles já falecido, Manuel Casqueiro. Guineense, filho de pais portugueses exilados na Guiné durante a ditadura salazarista, lutou na guerra pela libertação de Angola. Conquistada a independência desse país, veio morar no Ceará, casando-se aqui com uma brasileira, dedicando-se à literatura. Fundou nesse Estado a Academia Afro-Cearense de Letras. E dizia que tinha dois amigos em Natal: eu e o poeta Jarbas Martins. Deixou, publicados, os livros” Munzungu Pululu”, “Os Candengues da Cochinchina” e “A lança de Nzambi”. O outro amigo, Antônio Pinto, muito jovem deixou sua pátria de nascimento, acompanhando sua família, para viver uma diáspora que incluiu o Senegal, a França e, finalmente, sua nova e definitiva pátria, o Brasil, quando o conheci, ainda muito jovem, formando com ele uma sólida e fraterna amizade. Concluído o seu curso de Direito na Universidade Federal do Rio Grande do Norte, advogou comigo e o advogado poeta Gilberto Avelino, até que, aprovado em concurso público, passou a exercer a profissão de Delegado Civil no Rio Grande do Norte.
Desses meus três poemas abaixo transcritos, o segundo deles, “África”, constitui a epígrafe poética do livro “Os Kandengues da Cochinchina”, a pedido do autor, Manuel Casqueiro. O livro, já lançado no Brasil, expõe angústias e histórias recolhidas das crianças angolanas submetidas às situações de guerra que abalaram o continente africano.
FRATERNIDADE
Que me ajude o meu sangue árabe
Que me ajude o meu sangue judaico
Que me ajude o meu sangue europeu
Que me ajude o meu sangue africano
Que me ajude o meu sangue asiático
e indígena
Que me ajudem todos os meus sangues
a construir a fraternidade universal
ÁFRICA
No pôr do sol de Luanda a saudade
o fado dos que se foram pelo mar
e jamais voltaram
CANTO AO AVÔ AFRICANO
Procuro-te entre os demais
e não te encontro
talvez porque não aceitaste o convite
e o sonho do Brasil te foi imposto.
Vejo a tua sombra
e semente –
já que o teu corpo foi corrompido pela guerra
pelo açoite
e pela prisão.
Os demais estavam à mesa
e todos tinham nome e origem.
Tu, porém, sobreviveste
sem o pão e o vinho.
Trazem-me dos demais a linhagem secular
lenda ou fantasia
e vou encontrá-los nas igrejas
cartórios ou bibliotecas.
Quanto a ti
a memória se perde
num vago e nostálgico sentimento passado
que vai enfim morrer na praia
na selva ou no deserto.
Contra ti urdiram a morte histórica
relegando-te aos livros
de registros contábeis
às ignóbeis transações de compra e venda.
Mas ergue-te, avô, pois ainda vives
e tua vida é maior que a derrota nas armas.
Dá repouso à tua sombra.
Vê que te ofereço
- à luz do sol –
um banquete com as lavouras que plantaste
e a que não faltarão
os alimentos sagrados que o teu gênio criou
os teus ricos orixás
as raízes de teus cantos, ritmos e danças.
E verás que à mesa estará presente
um povo
uma nação
construída com o teu sangue.
Não me renegues, avô,
não é minha pele que te chama
mas a noite de tua ausência.
Horácio de Paiva Oliveira – Poeta, escritor, advogado, membro do Instituto Histórico e Geográfico do RN, da União Brasileira de Escritores do RN e presidente da Academia Macauense de Letras e Artes – AMLA