Por Emanuel Lacerda
Há exatamente um ano, em 14 de março de 2023, o Rio Grande do Norte vivia o início de um pesadelo. Em 12 dias, foram registrados mais de 300 ataques criminosos, em pelo menos 50 municípios, a prédios públicos, comércios, veículos e até residências.
Ainda naquele período, o governo do Rio Grande do Norte anunciou a criação de um comitê para identificar e apoiar as vítimas. O decreto, assinado pela governadora Fátima Bezerra, foi publicado em edição extra do Diário Oficial do Estado.
Um ano depois, o Diário do RN voltou a procurar algumas das vítimas que tiveram suas histórias divulgadas na época. Histórias de resiliência e reconstrução de quem contou com ajuda de amigos, familiares e até de desconhecidos, através de vaquinhas on-line. Segundo eles, a ajuda do poder público nunca chegou.
O motorista Marcos Sérgio Medeiros, 55 anos, estava trabalhando quando teve o caminhão incendiado por um grupo de homes que chegaram em um carro. “Meu caminhão estava na fila para o descarte de lixo por volta das 7h da manhã. Enquanto eu estava esperando a minha vez de carregar chegou um carro e uns homens mandaram eu me afastar. Assim que eu saí, eles colocaram fogo no meu caminhão. Eu fiquei em choque olhando o caminhão pegar fogo. Nunca imaginei que eles iam fazer uma coisa dessas comigo”, relembrou Marcos Sérgio.
“Eu lutei muito para poder comprar aquele caminhão e sustentar a minha família. Mas em poucos minutos todo aquele sonho e investimento estava destruído. Eu não desejo para ninguém passar por uma coisa dessas. Eu senti uma tristeza muito grande”, desabafou o motorista. A partir dali, foram 85 dias sem trabalhar, a ajuda do poder público nunca chegou e a retomada só foi possível através de uma vaquinha solidária. “Quando as pessoas souberam o que aconteceu comigo, elas fizeram uma vaquinha para me ajudar. Com esse dinheiro, eu consegui quitar a dívida do meu caminhão antigo que, na época, faltava R$ 10.000, e ainda consegui comprar o meu novo, que é o que eu trabalho atualmente. Hoje, graças a Deus, minha vida está boa e sigo trabalhando e garantindo o sustento da minha família”, finalizou.
“Tive que realizar um empréstimo e usar recursos próprios”, relata cantor sobre carro destruído
Diógenes Cortez de Amorim, conhecido popularmente como “Johnny Cortez”, 50 anos, teve o carro incendiado na porta de casa. O veículo era utilizado para transporte da banda liderada por ele. “Ninguém está preparado para uma coisa dessa natureza principalmente quando envolve muito dinheiro. A van estava na frente da minha casa aqui em Currais Novos, acordamos de madrugada com a van pegando fogo”, desabafou o cantor relembrando que a banda ficou sem o carro por 15 dias, e foi necessário alugar um novo veículo para cumprir a agenda de shows.
Johnny Cortez afirma que daqueles dias ficaram o sentimento de tristeza e o prejuízo financeiro que, segundo ele, carrega até hoje. “Para poder me recuperar dessa fatalidade, eu tive que realizar um empréstimo e usar recursos próprios para conseguir fazer o reparo da van. Além disso, tivemos a oportunidade de contar com a solidariedade de amigos e da população que nos ajudaram com uma vaquinha para arrecadar dinheiro”, desabafou Johnny.
A reportagem do Diário do RN procurou o Governo do Estado, por meio da Assessoria de imprensa, para saber sobre a atuação do comitê criado em março de 2023 para mapear e dar assistência a pessoas como Marcos Sérgio e Johnny, além de buscar informações sobre o total de vítimas atendidas e os valores pagos, mas até o fechamento da edição as repostas não chegaram.
Relembre o caso
No dia 14 de março de 2023, ações ordenadas por facções criminosas causaram terror à população norte-rio-grandense, com o registro de incêndios e tiros contra prédios públicos, veículos, comércio e até residências. Aulas foram suspensas, transporte público reduzido, comércio funcionou em horários diferenciados.
As investigações da polícia indicavam que as ações foram uma retaliação às condições dos presídios e a custódia de presos estaria entre os motivos apontados para a série de ataques que aconteceram em todas as partes do estado. Para o controle da situação, o Estado contou com agentes da Força Nacional, totalizando mais de 800 homens envolvidos no reforço da segurança pública no estado.
De acordo com dados fornecidos pela Secretaria da Segurança Pública e da Defesa Social (SESED), entre os dias 14 e 25 de março de 2023 foram registrados 307 ataques e 284 suspeitos foram presos no RN. Além disso, durante a operação para conter as ações criminosas foram apreendidas 46 armas de fogo, 6 simulacros de arma de fogo, 149 artefatos explosivos, 34 galões de combustíveis, 17 motos, 2 carros, carregadores, dinheiro, drogas, fogos de artifício e munições, além de produtos de furto recuperados.