As blitze realizadas pela Polícia Rodoviária Federal (PRF) durante o segundo turno das eleições gerais de 2022, sob o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), interferiram na dinâmica da votação dos eleitores no Rio Grande do Norte. Essa foi a conclusão do relatório feito pelo Tribunal Regional Eleitoral do Estado (TRE-RN), que constatou indícios de interferências com impactos no pleito no Estado, conforme divulgou o G1. Esta é a primeira vez que um documento da Justiça Eleitoral afirma que as blitze tiveram potencial para atrapalhar a eleição.
O documento, encaminhado à Polícia Federal, integra o inquérito que investiga se a PRF, comandada na época por Silvinei Vasquez – que está preso desde agosto passado por causa dessa investigação -, foi usada para interferir na disputa entre Bolsonaro e Lula, que derrotou o adversário e foi eleito presidente. E se refere a uma amostra de 5.830 eleitores de 23 seções do município de Campo Grande, situado a 272 km de Natal. Lá, o atual presidente teve 71,89% dos votos contra 28,11% de Bolsonaro.
Para as autoridades, porém, o registro pode constituir um indício técnico de que as abordagens feitas nas estradas pela PRF na região Nordeste, reduto eleitoral do presidente Lula, tiveram de fato potencial para atrapalhar a votação. A partir de agora, os dados do relatório serão usados pela PF para rebater um dos principais argumentos da defesa de Vasques, que alega que ele está sendo investigado por um “crime impossível”.
Para a defesa, as blitze não seriam capazes de interferir no resultado da eleição e, conforme as versões de Silvinei Vasques e do ex-ministro da Justiça Anderson Torres, também investigado no inquérito, as operações realizadas pela PRF foram montadas para coibir crimes eleitorais, como compra de votos, por exemplo.
Conforme o relatório do TRE-RN, parte considerável dos eleitores, que costumava votar no período da manhã, compareceu às urnas à tarde, só após a Justiça local adotar medidas emergenciais para amenizar o impacto das blitze e a PRF encerrar suas operações. O encerramento foi determinado na tarde de 30 de outubro pelo presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Alexandre de Moraes.
“Em um primeiro momento, pela manhã, os mesários começaram a relatar o baixo fluxo de comparecimento de eleitoras e eleitores, encaminhando fotos das salas vazias e da inexistência de filas nos corredores das escolas”, anotou, no relatório, a juíza eleitoral Erika Corrêa.
“Ao indagar sobre o baixo fluxo de eleitoras e eleitores no período matutino — em frontal discrepância com o primeiro turno, onde foram verificadas filas nas seções de votação —, foi relatado, pelos mesários e mesárias, que o baixo comparecimento seria consequência da realização de operação (blitz) por agentes PRF no município”, descreveu a juíza.
Segundo a magistrada, operações policiais inibem deslocamentos em cidades pequenas do interior porque é comum motoristas e veículos estarem em situação irregular ou com documentação atrasada. “O receio de ter o veículo apreendido pode ter ocasionado o baixo comparecimento no período matutino”.
RELATOS DOS MESÁRIOS
Com base nas informações reportadas pelos mesários no dia do segundo turno, a juíza dividiu o comparecimento dos eleitores em três momentos: relatos de salas vazias e sem filas (das 8h até as 12h46): 2.232 eleitores apareceram para votar — 38,28% do total das seções analisadas (5.830 eleitores); ampliação do transporte gratuito oferecido pela Justiça e divulgação desse serviço pelo WhatsApp e pela rádio da cidade (das 14h às 15h30): 1.293 eleitores votaram, chegando a 3.525 (60,46% do eleitorado) e; fim das blitze da PRF (das 15h30 às 16h58, dois minutos antes do término da votação): comparecimento às urnas atinge 75,02%, com 4.374 votantes.
CONCLUSÕES DO RELATÓRIO
“A atuação da Polícia Rodoviária Federal no dia do segundo turno das eleições de 2022 no município de Campo Grande, em pontos estratégicos da cidade, pode ter causado impacto significativo no deslocamento de eleitores e eleitoras aos seus locais de votação […]. Frise-se que não há registro de operação semelhante — mesmo horário e local — durante a realização do primeiro turno das Eleições de 2022, muito menos nos dois turnos das Eleições de 2018”, diz o relatório.
Para a juíza eleitoral, embora não seja possível afirmar que o fenômeno foi causado exclusivamente pelas blitze, a comparação com a votação no primeiro turno, quando não houve operações policiais na cidade, permite “concluir que a atuação da PRF pode ter postergado a ida dos eleitores às seções analisadas”.
O documento foi encaminhado pelo TRE-RN à Corregedoria do TSE, em Brasília. Em 30 de setembro, o então corregedor, ministro Benedito Gonçalves, incluiu os dados em uma das ações que tramitam na Corte contra a campanha de Jair Bolsonaro. Gonçalves também enviou o relatório ao Ministério da Justiça, responsável pela PF, e elogiou a juíza eleitoral e o servidor que o produziram.
“O referido documento relata de forma minuciosa a atuação da referida zona eleitoral no dia 30/10/2022, analisa os impactos da atuação da PRF sobre o fluxo de eleitoras e eleitores do município e indica que a pronta e efetiva atuação da Justiça Eleitoral foi um componente decisivo para resguardar o direito fundamental ao voto na localidade”, escreveu o ministro.
A deputada federal Natália Bonavides (PT) afirmou que, no dia do segundo turno, o partido acionou a Justiça para suspender as operações da PRF no Rio Grande do Norte. “É a primeira vez que um documento da Justiça Eleitoral afirma que essas operações tiveram potencial para atrapalhar as eleições”, disse.