“A Igreja do Rosário, além de uma construção tricentenária, que tem grande valor histórico, religioso e arquitetônico, é o segundo templo religioso de Natal. Construído pelos irmãos negros no início do século XVIII, com o intuito de terem também seu lugar de prestar culto a Deus e venerarem a Virgem do Rosário, ali se consolidou também como lugar de encontro daqueles que estavam à margem da sociedade antiga por causa da escravidão”, o relato é do Padre Robson Paulo, pároco da Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos há 2 anos.
“A Igreja do Rosário continua sendo um símbolo da resistência, pois só lá é celebrada a Missa no rito antigo. Mas também sua própria edificação se coloca como lugar de memória e recordação de tantos irmãos negros que deram sua vida para que fosse erguida e sustentasse ao longo desses mais de 300 anos sua edificação”, pontua Padre Robson Paulo sobre a construção histórica, localizada na Cidade Alta.
Historiadora e professora da UFRN (campus Escola Agrícola de Jundiaí), Maiara Juliana Gonçalves pontua que é errado afirmar que o RN não teve uma significativa presença das populações negras e indígenas, estando cada vez mais identificado que os negros e os povos indígenas participaram e participam da formação do estado norte-rio-grandense. “Essa Igreja foi a segunda construída na capital do RN, sendo datada entre os anos de 1714 e 1716, surgindo quase 100 anos depois da Igreja Nossa Senhora da Apresentação, cujas primeiras edificações datam de 1614. De fato, a Igreja abrigou a parcela excluída, realizando batizado, casamentos e outros ritos para aqueles que não possuíam uma boa condição financeira no estado. A Igreja reunia, sobretudo, homens e mulheres escravizados ou livres, sendo importante para produzir essa sociabilidade”.
Além disso, Maiara Juliana afirma que a importância histórica e cultural da Igreja foi o de unir pessoas negras em torno de uma prática religiosa que é católica, mas que foi incorporando muito elementos africanos como, por exemplo, as congadas, festividades realizadas para celebração de santos negros que incluem elementos de matriz africana, sendo assim um “registro” da África no RN.
A projeção arquitetônica da Igreja do Rosário, chama atenção e já despertou questionamentos a respeito de sua posição oposta à Catedral Antiga, que seria em função do segregacionismo racial vigente na época, contudo Maiara Juliana ressalta: “Há uma visível separação espacial racializada entre brancos e negros na cidade no século XVIII, no entanto, a documentação existente sobre a doação de terras para a construção da Igreja e para a irmandade não cita quais as condições que a igreja deveria ser construída. Sobre a sua localização, a Igreja do Rosário dos Pretos, foi construída com as suas portas principais voltadas para o continente africano. Ela está localizada com a vista voltada para a parte do braço do rio Potengi que deságua no mar um pouco mais à frente. Aliás, o terraço onde está localizado o seu cruzeiro, pertencente à Igreja, é um dos lugares com a vista mais bonita da cidade”.
Maiara Juliana ainda destaca que a Igreja do Rosário dos Pretos era bem menor do que é hoje. “A torre, a ala lateral e a sacristia foram construções que vieram depois, assim como o cruzeiro. É a única igreja que preserva a pavimentação original da rua que atualmente leva o nome de Quintino Bocaiúva. Mas, talvez, a curiosidade mais importante é como a Igreja do Rosário dos Pretos ainda é um local importante para as afirmações das tradições afros no estado”.
A historiadora analisa as transformações até os dias atuais, destacando que a Igreja do Rosário mantém forte simbolismo.
“Na cidade de Natal, por exemplo, existe a Nação Zamberacatu, que é a primeira nação de maracatu do estado. O grupo desenvolve manifestações artísticas africanas com produções autorais de canções que exaltam o negro potiguar e sua religiosidade, atuando também como instrumento de combate ao racismo e intolerância religiosa. A Nação Zamberacatu sempre realiza a coroação de sua rainha negra, nos dias que antecedem o período do carnaval, sempre em frente à Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, o que é muito significativo para a história do povo negro norte-rio-grandense”.
Desde 2014, a Igreja do Rosário dos Pretos é uma edificação tombada pelo Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico (IPHAN), toda e qualquer modificação não pode ser realizada sem a autorização do órgão.
Atualmente, é a única no Estado onde se celebra no rito antigo da Igreja Católica, anterior ao Concílio Vaticano II, com as orações e cânticos em latim, segundo explica o pároco local. As celebrações acontecem aos sábados às 17h e aos domingos às 8h e às 9h30, com uma frequência muito significativa de fiéis de todas as classes e idades.
Segundo Padre Robson Paulo, antigamente os fiéis falecidos eram sepultados nas Igrejas ou em torno delas. Na Igreja do Rosário não há relatos oficiais dessa prática, mas muitos devotos negros tiveram seus restos mortais depositados no local. Em 2020, Monsenhor Lucilo, reitor da instituição há mais de 30 anos, foi sepultado na nave lateral da Igreja.