Uma postagem que desagradou o dono de um veículo. Uma reação com direito a expulsão pública: “solicito a gentileza de encontrar outra forma de veicular suas críticas e opiniões”. O fato ocorreu no último fim de semana quando o empresário Flávio Azevedo foi às redes sociais do jornalista Heitor Gregório que, até então, tinha seu blog hospedado no Portal Tribuna do Norte, de propriedade do empresário.
O caso chamou a atenção do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Rio Grande do Norte (Sindjorn) e até da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj). Em nota conjunta, emitida nesta segunda-feira (24), as entidades destacam que o comportamento do proprietário da Tribuna do Norte é típico do período da ditadura e que impressiona o fato de ter sido público, ferindo completamente a moral e a ética.
“Algo que vai de encontro com a Liberdade de Imprensa e de Expressão, dois grandes pilares da democracia. (…) O recado direto do proprietário da empresa, Flávio Azevedo, foi sumariamente (…), em outras palavras, peça para sair ou coloco você para fora. Típico do período da ditadura. Publicamente, o que é mais impressionante, pois foge a qualquer ordem moral e ética”, diz o texto assinado pelas entidades.
A nota da Fenaj e do Sindjorn traz, ainda, mensagens diretas de solidariedade a Heitor Gregório e de repudio à atitude de Flavio Azevedo, que estaria “deixando um recado claro aos colaboradores que lá trabalham: sigam a minha cartilha, qualquer que seja ela, mesmo atacando os pilares da democracia, liberdade de Imprensa e de expressão, ou rua”.
O CRIME DE GREGÓRIO
Mas o que disse o jornalista Heitor Gregório que tanto enfureceu o empresário Flávio Azevedo?
Em 14 de março, quando fortes chuvas atingiram Natal, causando graves transtornos – como alagamentos em diversos bairros e na área da engorda da Praia de Ponta Negra, aberturas de crateras em vias públicas, falhas em semáforos e quedas de árvores – o jornalista questionou o fato de não ter sido divulgada a agenda do prefeito durante tal crise, além de ele não ter se manifestado publicamente até aquele momento.
Oito dias depois, o empresário Flávio Azevedo foi aos comentários da postagem para reprovar, publicamente, o posicionamento de Heitor Gregório e alegando “constrangimento pessoal” em ver suas críticas ao chefe do Executivo municipal sendo publicadas na Tribuna do Norte devido à amizade que tem com o político. Finalizou pedindo que o comunicador veiculasse suas opiniões de outra maneira, que não fosse no Portal da TN: “Solicito a gentileza de encontrar outra forma de veicular suas críticas e opiniões”, escreveu.
Além de empresário, Flávio Azevedo é filiado ao Partido Liberal (PL) e suplente do Senador Rogério Marinho. Em 2024, chegou a exercer o mandato durante 120 dias, em licença do titular.
Ambos foram procurados pela reportagem do Diário do RN para falar sobre o caso que vem sendo tratado como um ataque à liberdade de imprensa e de expressão. Nem o senador, nem seu suplente responderam até o fechamento desta edição.
Henrique Alves renuncia à presidência da Tribuna: “Censura, nunca mais! ”

Em meio a ampla repercussão entre leitores do veículo e jornalistas – tendo muitos classificado o caso como “desrespeito” e “censura” – a principal consequência foi a decisão do diretor presidente da Tribuna do Norte, Henrique Eduardo Alves, de renunciar ao cargo. “A única atitude que poderia ter em reação à repugnante censura a um profissional de Comunicação, como Heitor Gregório, respeitado e correto! Convidei-o à Tribuna há dez anos! Sempre honrou o jornalismo sem agredir, injuriar ou desrespeitar ninguém. Agora é impelido a sair de forma agressiva e desproporcional. Assim, ficarei em paz com minha consciência e meus ‘ancestrais’, que tanto fizeram para a Tribuna do Norte chegar aos 75 anos”, afirmou.
Henrique Eduardo Alves é filho de Aluízio Alves, fundador da Tribuna do Norte, e era o último membro da família Alves presente na empresa. À equipe do Diário do RN, Alves declarou que o momento é “muito difícil e dolorido”. E lamentou, novamente, que o caso tenha acontecido no momento do aniversário do jornal. “Logo nos dias emocionantes em que a Tribuna do Norte completaria 75 anos de vida! Aliás exatamente hoje, dia 24 de março! Nascemos praticamente juntos, crescemos juntos, com parecidos amor, dedicação e respeito”, disse.
Ele frisou, ainda, que o histórico do jornal é de respeito à democracia e à imprensa livre e, diante disso, sentiu que precisava tomar uma atitude. “Não quis parecer omisso, coadjuvante. Censura, nunca mais! ”, disse completando: “Estou em paz”.
O agora ex-presidente da TN ainda fez questão de destacar que Flávio Azevedo “foi decisivo quando precisei para a Tribuna resistir. Chegou junto! Não tratei de pessoas, tratei atos. A Tribuna do Norte de Aluízio Alves assim se veste por dento e por fora: imprensa livre e democracia”.
Ainda em entrevista ao Diário, Henrique Alves pediu para deixar uma mensagem para Heitor Gregório. “Ao querido amigo, Heitor Gregório, que eu trouxe para a Tribuna há dez anos, a certeza abençoada de que hoje sai maior do que quando entrou. Caráter, dignidade e profissionalismo! Honrou nossa querida Caicó e suas tradições”, concluiu.
Jornalista e esposa de Henrique Alves, Laurita Arruda também é colaboradora da TN, através do Blog Território Livre, comentou o caso nas redes sociais, prestando apoio a Heitor Gregório. “Você sabe porque já lhe disse algumas vezes, que você traz no trato a fidalguia do seridoense, sabe conviver com as divergências e de forma respeitosa conciliar o quase inconciliável. É um vencedor pela própria natureza! Em tempos de tanta polarização e pseudojornalismo, você consegue priorizar a notícia. Isso ninguém lhe tira. Que Sant’Anna continue abençoando seus dias”, declarou.
DESPEDIDA E HOMENAGEM

Na tarde desta segunda-feira, o jornalista Heitor Gregório registrou seu “adeus” à Tribuna do Norte e prestou uma homenagem à trajetória do veículo, lembrando o seu fundador – Aluízio Alves – e os jornalistas que marcaram a história da empresa.
“O ano era 2015. A Tribuna, um senhor de 65 anos; eu, um jovem de 25. Éramos outros sob muitos aspectos, mas nenhum deles nos envergonhava. Olhando para o passado, lembro-me, com a gratidão que o tempo jamais fará apagar, do honroso convite de Henrique Eduardo Alves para que aquele jovem Seridoense, nascido em Caicó, pudesse integrar o histórico Jornal idealizado pelo saudoso Aluízio Alves. Hoje, nos 75 anos do Tribuna do Norte, sinto-me convidado a dele me despedir. Não participarei da festa de seu aniversário; mas celebrarei a sua trajetória”, disse.