O caso de centenas de seguidores de uma seita cristã apocalíptica no Quênia que morreram de fome na esperança de encontrar Jesus chocou o mundo em abril deste ano. Eles estariam seguindo instruções de seu pastor.
Sempre que casos do tipo vêm à tona, surgem muitas dúvidas sobre quais são as características de uma seita e como as pessoas são influenciadas por elas.
A correspondente global de religião da BBC Lebo Diseko conversou com o terapeuta Steven Hassan, que fez parte de uma seita na juventude e depois dedicou sua vida a ajudar as pessoas a se libertarem de cultos. Confira a seguir.
Aos 69 anos e com fala mansa, Steven Hassan descreve o grupo ao qual se juntou na adolescência como um culto perigoso. Ele diz que a experiência de deixar o controverso grupo religioso “foi como acordar de um pesadelo”.
“Eu senti tanta vergonha”, conta ele à BBC.

Em 1974, aos 19 anos, Steven Hassan ingressou na Igreja da Unificação. Seus seguidores já foram amplamente chamados de ‘Moonies’ pelos críticos, em referência ao nome do ex-líder do grupo, o falecido reverendo Sun Myung Moon.
Agora conhecida como Federação da Família para a Paz e Unificação Mundial, a igreja insiste que é uma “religião de boa-fé” e não uma seita. Mas Hassan diz que sua experiência prova o contrário.
A definição precisa do que constitui um culto é contestada. Mas o psiquiatra Robert Jay Lifton identifica três características principais: um líder carismático que se torna um objeto de adoração, um processo de persuasão coercitiva (ou lavagem cerebral) e exploração dos membros do grupo, que pode ser econômica, sexual, psicológica etc.
Hassan diz que foi recrutado para a Igreja da Unificação pouco a pouco. Primeiro, ele diz, foi abordado por um grupo de mulheres jovens enquanto estava sentado no refeitório da faculdade. Ele tinha acabado de “tomar um pé” de sua namorada e diz que estava vulnerável e que ficou lisonjeado com a atenção.

Hassan diz que depois sofreu um processo de love bombing — quando a pessoa é alvo de excessivas demonstrações de afeto, mesmo sem a outra pessoa conhecê-la tão bem, para atraí-lo para o grupo e manipulá-lo.
As jovens o convidaram para jantar, dizendo “queremos apresentá-lo aos nossos amigos de diferentes partes do mundo”. Aí veio um convite para uma palestra. E acabaram dizendo: “vamos viajar esse fim de semana, você deveria vir, vai ser muito divertido”.
Foi naquele fim de semana, diz Hassan, que eles o convenceram, com afirmações de que aquele era “um momento especial na história, que a Terceira Guerra Mundial iria acontecer entre a Rússia e os Estados Unidos, que havia planos espirituais acontecendo.”
A radicalização
Só muito mais tarde, diz ele, as outras crenças do grupo foram apresentadas. Ele alega que isso incluía afirmações de que o líder do grupo, o reverendo Moon, nascido na Coreia do Norte, era “o messias, maior que Jesus” e que os coreanos eram uma “raça superior”.
Apesar de ter nascido e ter sido criado no judaismo, Hassan diz que, três meses depois de ingressar na Igreja da Unificação, ele chegou a acreditar que “o Holocausto era justificado”.
“Fui totalmente radicalizado”, conta.

Essas são afirmações que a igreja nega veementemente, dizendo que “não há nenhuma sugestão no ensino do grupo de que o Holocausto foi justificado” e que tem “muitos membros” judeus.
A igreja diz ainda que não havia “nenhuma sugestão” em seu ensino de que o reverendo Moon era “maior que Jesus” ou “que os coreanos eram algum tipo de ‘raça superior'”.
A igreja também nega o uso de love bombing, dizendo que, embora os membros da igreja saíssem e conversassem com os alunos universitários, eles eram “bastante abertos sobre o grupo religioso minoritário que representavam e não havia enganação”.
Hassan diz que abandonou a faculdade e se tornou um líder de grupo, ajudando a recrutar outras pessoas. Ele diz que fazia uma avaliação de novos recrutas em potencial para saber se eles eram “pensadores, sentimentais, executores ou crentes”, a fim de usar o tom apropriado para conquistá-los.
Acordando do pesadelo
Foram necessários dois anos e meio e um acidente de carro para que ele conseguisse sair da seita, diz. Como ficou em recuperação sozinho no hospital após o acidente, ele acabou ligando para sua irmã.
Ela implorou que ele fosse visitá-la, dizendo que cuidaria dele e lembrando-o de que ele tinha um sobrinho com quem ela queria que ele passasse um tempo.
O que ele não sabia era que ela havia organizado uma sessão de “desprogramação”. Ouvindo as experiências de outras pessoas que haviam deixado o grupo, ele se deu conta do que estava acontecendo com ele.