Médicos em Natal
Naturalmente durante os séculos XVII e XVIII não havia médico na cidade do Natal do Rio Grande do Norte.
O socorro limitar-se-ia ao uso de simples na extensa terapêutica tradicional. Reinava Galeno e a teoria dos humores. A técnica expedita e consagrada era purgar e sangrar. Além disso, dieta, muita dieta. O colonial, como todos os povos primitivos, quase não se alimentava quando adoecia.
Dizia-se a esse cuidado, as cautelas.
Daí o provérbio: cautela e caldo de galinha não ofendem a “ninguém” …
E os médicos? Só os deparo no século XIX.
Como os moradores de Natal, em situação econômica suficiente para pagar ao doutor, não fossem muitos, a presença de um facultativo seria impossível se o governo não criasse o Cirurgião do Partido Público, lugar remunerado pela administração. Esse Cirurgião trataria dos réus presos e doentes assim como dos pobres em geral. E teria pulso livre, atendendo aos chamados e consultas.
O mais antigo cirurgião do partido de que tenho notícia era um senhor João José de Oliveira, ao lado do farmacêutico, que chamavam “Boticário”, José Felipe. Conheço documentos assinados por essa ilustre dupla em 28 de agosto de 1834. Mas o cirurgião estava no Natal desde 1831.
Ganhava trezentos mil réis por ano.
Às vezes passavam médicos estrangeiros, vindos nos navios surtos no porto de Natal, e recebiam, assinando atestado. Há, em 12 de agosto de 1834, um atestado do Sr. Guilherme D. Cokes, “Medicine doctor” pela Universidade de Pensilvânia, nos Estados Unidos, para Severino Pinto.
Nesse mesmo 1831, na sessão de 20 de janeiro do Conselho de Governo, apareceu uma representação de um João Ambrósio Bignix, protestando contra a venda de drogas medicinais por qualquer pessoa, informando que a Câmara Municipal de Arês concedera licença para toda gente manipular e vender as espécies medicinais. Esse Bignix residia em Goianinha.
Em 1837/38 tivemos o Doutor Cipriano José Barata de Almeida. Dom Manuel de Assis Mascarenhas, quando presidia a província, na fala de 7 de setembro de 1840, solicitava a elevação do ordenado do médico do Partido Público, recém criado e não preenchido, para 1.600$ anuais, pelo menos um médico hábil que quisesse estabelecer-se nesta capital.
Em 1841 possuímos o primeiro médico do Partido Público, residindo no Natal, Doutor José Bento Pereira da Mota.
Em 1842 surge outro doutor, Tomás Cardoso de Almeida, que por aqui demorou até 1853, casando, sendo deputado provincial.
Em 1850 a febre amarela nos fez sua primeira visita. Um ano antes o varíolo comparecera com severo. O presidente Magalhães Taques mandou construir no sítio denominado Nau do Refoles.
Era um rancho. Custou 160.000$. As bexigas duraram de janeiro a março de 1849. Mataram cerca de duzentas pessoas entre Natal e São José de Mipibu.
Em 1854 uma epidemia de febres intermitentes assolou Natal, Ponta Negra, Extremoz, Boca-da-Mata (Hoje Ceará Mirim), obrigando ao Presidente Antônio Bernardo de Passos duplicar as providências, erguendo enfermarias de palhas de coqueiro, distribuindo medicamentos. Gastou 1.253$ a 520 em Ponta Negra e 904 a 140 em Extremoz.
Em fins de 1855 surgiu o cólera Morbus, devastador como um cataclismo. O Presidente Passos enfrentou a catástrofe, heroicamene. Com indizível energia, mobilizando recursos, multiplicando os existentes, vencendo mil dificuldades, conseguiu obter alguns médicos para atender os doentes. Assim, aqui trabalharam Firmino José Doria, José Joaquim de Souza, José Augusto de Souza Pitanga, Francisco Antonio Vital de Oliveira, Cândido José Casado Lima.
O Presidente Passos ergueu o lazareto, o cemitério público, no Alecrim, e o hospital de Caridade, na rua que se denominou, espontaneamente, da Misericórdia.
O cólera Morbus matara duas mil e quinhentas pessoas numa massa de população calculada em 17.000 almas.
Em 5 de dezembro de 1857, na Faculdade de Medicina da Bahia, doutorava-se o primeiro norte-rio-grandense, Luis Carlos Lins Vanderlei.

Com informações e imagem livro: Actas Diurnas-Crônicas de Luís da Câmara Cascudo.
Ricardo Tersuliano – colaborador do Diário do RN.