Cidade de Natal ou do Natal?
Ensina o mestre Cascudo que se deve dizer cidade do Natal e não de Natal.
Os mestres sempre têm razão, especialmente quando se trata de um Câmara Cascudo. A despeito de tudo, oponho os meus embargos.
Natal é adjetivo quando se refere ao nascimento ou ao lugar onde ocorre o nascimento; é substantivo quando significa dia do nascimento ou, especialmente, quando diz respeito ao nascimento de Cristo.
Acha o mestre Cascudo que a expressão “cidade do Natal” deve ser entendida como a cidade fundada no dia em que se comemora o nascimento de Cristo. A lição está inserta no livro “Nomes da Terra”, pág. 13. No mesmo livro, porém, Cascudo chama São Gonçalo de Natal e, antes, escreve que, em 2 de julho de 1689, o Senado da Câmara de Natal informa a D. Pedro II, etc.
Ao que parece, a origem da controvérsia vem da narrativa de Henry Koster: “Cheguei à cidade do Natal, situada sobre a margem do Rio Grande ou Potengi” etc. (obr. cit., pág. 141).
Conquanto respeitável a opinião de quem se dedica há meio século ao estudo da toponímia e da geografia do Rio Grande do Norte, ninguém é imune ao pecado do erro, do engano, se errar, no caso, é pecado.
Os presentes comentários são uma resposta ao crítico apressado que, entre amigos, censurou a expressão usada num artigo meu sobre Bruno Pereira: “Chegando a Natal (sem crase) em 1930”, etc., que ele supõe dever levar sinal de crase antes do nome Natal.
O que está assente entre os doutos é que são geralmente femininos os nomes que subentendem as palavras cidades e ilhas, que são femininas, assim como não se põe o sinal da crase antes de nomes de cidades, regiões, mesmo do gênero feminino, que não admitem o artigo definido feminino, exemplo: “Vou a Curitiba, a Brasília, a Lisboa” etc., sem crase. Alguns nomes de cidades, como Rio de Janeiro, Cairo, Havre, são masculinos. Outros costumam rejeitar o artigo: Portugal, Castela, Leão. Por fim, não se usa, em geral, o artigo definido, nestas cidades ou regiões: Campinas, Cuba, Londres etc. Quanto aos Estados, a maioria leva artigo: o Acre, o Amazonas, o Rio Grande do Norte etc. Alguns, entretanto, não se usam com artigo: Minas Gerais, Pernambuco, Alagoas.
Natal, nome da capital do Rio Grande do Norte não leva o artigo definido feminino a e, por isso, não se deve dizer “chegando à Natal, com crase, pois esta é a contração da preposição a com o artigo definido feminino a. Consequentemente, para verificar se há ou não crase, é preciso saber se a palavra admite ou não o artigo a. Numa palavra, a expressão aludida não leva crase, porque não se coloca o artigo feminino a antes da palavra Natal: “Vou a Natal, a Brasília (sem crase).
Diz-se, em linguagem gramatical, que o conhecimento do emprego da forma feminina do artigo definido é de grande importância para se aplicar acertadamente o acento grave denotador da crase pela contração da preposição a com o artigo definido feminino a. Direi, então: Vou à feira e, depois, irei a Natal (sem crase). Natal aí é nome de cidade que rejeita o artigo. Não se diz, portanto: o Natal ou a Natal. Dir-se-ia o Natal, se se tratasse da data do nascimento de Cristo.
Que quer dizer “a festa do Natal”? Quer dizer “a festa em que se comemora o nascimento de Cristo”. Natal é adjetivo na frase: “torrão natal”; é substantivo na expressão: “o natal dos pobres”.
Logo, dizer “cidade do Natal” significa dizer “cidade onde ocorreu o nascimento de Cristo e não “concentração populacional” ou “complexo demográfico”. A partícula de na expressão cidade de Natal indica relação de uma denominação. Assim sendo, nas expressões cidade de Roma, cidade de Parelhas e cidade de Natal, o de é expletivo. A propósito, convém recordar que há no latim uma regra segundo a qual a palavra aposta vai para o caso da palavra a que se refere: a cidade de Roma, urbs Roma. Na espécie, o nome comum e o nome próprio geográfico vão para o mesmo caso.
Em conclusão, se Natal, capital do Estado do Rio Grande do Norte, rejeita o artigo definido, a expressão correta, alvo de censura, é: “chegando a Natal (sem crase), Claro é que, se escrevesse “chegando à cidade de Natal (chegar feminino cidade na acepção de vir, de atingir certo lugar), colocaria a crase antes do substantivo que exige artigo. Também faria o mesmo se, antes do nome Natal, estivesse um modificador: “Vou à Natal de Câmara Cascudo”.
Foi isso o que aprendi com os professores Saturnino de Paiva e Severino Bezerra.
Com informações Livro: Contribuição à História Intelectual do Rio Grande do Norte – João Medeiros Filho
Crédito Foto: Canindé Soares
Pesquisa, edição: Ricardo Tersuliano – Historiador Independente