Por Ana Beatryz Fernandes
Em um país marcado pela desigualdade racial e pela herança da escravidão, a educação antirracista emerge como um dos pilares fundamentais para a construção de uma sociedade mais justa e igualitária. A Lei 10.639/03, de 2003, tornou obrigatória a inclusão de história e cultura afro-brasileira no ensino fundamental e médio, marcando uma evolução na educação brasileira. Apesar dos desafios após 20 anos da lei, a educação mais inclusiva e empoderadora já mudou a vida de muitos estudantes pelo país.
No Nordeste, um projeto educacional e cultural vem ganhando destaque, o Escrevivências Afro-Baianas, idealizado por três professoras da rede pública de ensino da Bahia, é um exemplo de como a educação pode ser uma ferramenta poderosa na luta contra o racismo. Através da valorização da cultura afro-brasileira e da promoção da autoestima de jovens negros, o projeto tem incentivado a reflexão sobre identidade, resistência e pertencimento, tanto nas escolas quanto na comunidade.
O Escrevivências Afro-Baianas nasceu em 2021, durante o período de aulas remotas da pandemia de COVID-19. As idealizadoras, professoras Jucy Silva, Hilda Cerqueira e Liliane Vasconcelos, já atuavam no Colégio Estadual Edvaldo Brandão, em Salvador. Foi durante as aulas remotas do colégio, em parceria com os programas PIBID da Ucsal e UFBA, que o projeto ganhou forma.
A partir da leitura de obras de autores negros, como Conceição Evaristo, Carolina Maria de Jesus e Itamar Vieira Júnior, os estudantes começaram a produzir poesias, contos e outras formas de expressão literária e artística, por meio do projeto piloto entitulado “Lerversificar”. Observando o talento criativo dos alunos, as professoras decidiram formalizar a iniciativa, criando o Escrevivências Afro-Baianas.
O projeto tem como objetivo principal fomentar a produção literária de estudantes negros, especialmente aqueles da periferia, e dar visibilidade às suas histórias e experiências.
Em 2022, o grupo lançou o primeiro “Zine Escrevivências” na Festa Literária Internacional do Pelourinho e, em 2023, o primeiro livro do projeto foi publicado, e leva o mesmo nome do projeto: “Escrevivências Afro-Baianas”. Em 2024, o segundo livro está em processo de conclusão. Além disso, o projeto tem conquistado diversos prêmios, como o 1° e 2° lugar no Prêmio Lélia Gonzalez do IBAJUD, além de classificações importantes como no Concurso Jovens Escritores da Bahia.
Em entrevista ao Diário do RN, a professora Jucy Silva, uma das fundadoras do projeto, destaca a importância da educação antirracista na formação de jovens e crianças. Ela enfatiza a necessidade de incluir História e Cultura Afro-Brasileira em currículos e adotar práticas pedagógicas que valorizem as contribuições do povo negro. “A Escola, além de construir bons projetos, precisa ter um plano estratégico que envolva toda a comunidade escolar, que crie protocolos claros para lidar com situações de discriminação, invista na formação permanente de professores e funcionários e crie indicadores para avaliar os avanços de práticas antirracistas na escola, sempre avaliando os resultados e fazendo ajustes”, afirma Jucy.
O projeto, além de formação literária para os alunos, é um espaço para expressão criativa e ressignificação da identidade negra. A Literatura é uma ferramenta poderosa para fortalecer autoestima e identidade de jovens negros em um contexto de racismo estrutural. “A educação antirracista surge como uma necessidade de reestruturação de todo um sistema de sociedade que foi formada a partir de concepções eurocêntricas. O Escrevivências surge dessa necessidade de potencializar através da leitura e escrita de meninos e meninas negras, a escrita criativa como afirmação de identidade”, afirma Liliane a outra fundadora do projeto.
Para os alunos que participaram do projeto, como Victor Cunha, ex-estudante do Colégio Edvaldo Brandão Correia e ex-participante do Escrevivências, o impacto foi profundo. “O projeto me fez sentir a representatividade que faltava para que eu me aceitasse de fato enquanto negro. Ver através da arte como a cultura africana e afro-brasileira é linda e complexa”, relata Victor, que hoje estuda direito na Universidade Federal da Bahia (UFBA).
Hillary Monique, ex-participante do Escrevivências e estudante da UFBA, também ressalta a importância do projeto na construção da identidade negra. “A educação antirracista me ajuda a me proteger e a me reconhecer. O Escrevivências foi o maior motivo para hoje eu me reconhecer como mulher preta.”, afirma Hillary, que destaca a mudança em sua visão de mundo após o contato com as obras de Conceição Evaristo.
Entre os alunos atuais, a estudante Laís Cruz compartilha sua experiência com o Escrevivências.
Para ela, o projeto foi transformador. “O Escrevivências é mais do que um projeto. Ele se tornou uma segunda família para mim. Aqui, eu descobri o meu amor pela arte e pela escrita e aprendi a me valorizar como mulher preta”, relata Laís.
Dia da Consciência negra
O Dia da Consciência Negra, celebrado em 20 de novembro, é um marco de reflexão sobre a história, a cultura e a luta do povo afro-brasileiro. Escolhido em homenagem a Zumbi dos Palmares, líder do Quilombo dos Palmares e símbolo da resistência negra, o dia celebra a resistência e a contribuição do povo negro na formação do Brasil.
Este ano, a data assume uma importância ainda maior, pois pela primeira vez se torna feriado nacional. Em dezembro do ano passado, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou a lei 14.759/2023 que tornou o Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra um feriado nacional, válido a partir de 2024.
No entanto, professora Jucy chama atenção para que a educação e luta antirracista não devem ser limitadas ao mês de novembro, quando se celebra o Dia da Consciência Negra. “Novembro é o mês da consciência negra, momento importante para se refletir sobre temas diretamente ligados às opressões racistas que atingem a população negra. É um momento de celebração das nossas raízes ancestrais, mas também é um dia estratégico para denunciar as desigualdades raciais que ocorrem diariamente, o ano inteiro no nosso país”, complementa a professora.