Uma das primeiras lembranças de que mais um ano está chegando ao fim é a decoração natalina dos shopping centers, sempre com uma poltrona para o Papai Noel, quem recebe longas filas de pessoas de todas as idades. Por baixo daquela fantasia do doce velhinho, há sempre um ser humano tão real quanto a magia desse período, e que, se dedicando a esse ofício ano após ano, tem muita história para contar. Neste Natal, o Diário do RN traz a trajetória e as experiências de um jovem de 38 anos que há seis tem muito mais motivos para amar e agradecer pela festividade, alegrando e levando esperança com o querido personagem.
O ator Ari Dourado vive da arte há 20 anos. A representação sempre lhe despertou interesse e, desde o seu primeiro personagem, como um palhaço das ações do Departamento Estadual de Trânsito (Detran RN), ele não deixou a profissão. Entre tantos personagens, um trouxe emoções e aprendizados transformadores que o levam a querer, desde 2018, vestir os trajes vermelhos, bota, barbas e bigodes branquinhos e distribuir abraços e sorrisos.
“Hoje em dia, é minha paixão. Amo fazer mesmo. Tem outros, mas Papai Noel é muito fofo, é amado por todos. As pessoas acreditam mesmo, viajam nessa magia. Já teve vez de eu chegar triste por situações minhas, mas quando você chega e sente aquele abraço verdadeiro… Por mais que você esteja triste, cansado, quando recebe o abraço, o sorriso, a gente sente o espírito natalino. É muito bom, não é um personagem a quem as pessoas querem mal”, conta.
Para o ator, a figura do Papai Noel tem a capacidade de unir pessoas de todas as crenças em um período marcado por uma celebração cristã, sendo querido por todos. “As pessoas renovam. Porque o Natal também tem o significado do nascimento de Jesus, mas o Papai Noel não tem religião, ele agrega todo mundo. Então, as pessoas recarregam a energia”, afirma.
Histórias
Toda a alegria do Papai Noel desperta em muitos a esperança, revelada em cartinhas e em pedidos frente a frente com o personagem. Ari conta que ouve inúmeros desejos todos os dias, vindos de crianças a idosos, que já renderam momentos emocionantes, como o vivido no interior do estado com uma visitante de apenas 4 a 6 anos.
“Tem muitos pedidos que escuto, e a gente não pode chorar, teve um que eu não consegui. Esse foi de uma criança, acho que em 2021. Chegou uma menina, [ela era a] coisa mais linda e você via que ela era meio carente. Ela me abraçou e só aí já fiquei querendo chorar, porque é realmente muito forte, e ela disse ‘Papai Noel, eu amo você’. Falei ‘oi, meu amor, qual é o seu desejo de Natal?’, e ela disse ‘eu queria uma família. Queria um pai e uma mãe’”, lembra. “Olhei para as ajudantes e já estavam todas chorando. Pensei ‘se eu chorar na frente dela, ela vai saber que não vai conseguir. Ela vai pensar ‘se o Papai Noel, que era para estar realizado, está chorando…’”, conta Ari.
Outro pedido que ficou marcado na memória veio em uma carta entregue escondido e com diversas instruções que mexeram com os sentimentos. “O mais inusitado foi de uma menina que devia ter uns 11 anos, e ela me entregou uma carta, me abraçou e falou bem baixinho ‘Papai Noel, só leia essa carta quando o senhor chegar em casa porque minha mãe não pode ver’. Aí passou, não li no mesmo dia. Quando menos espero, abri a carta e fui ler”, detalha.
“Ela dizia ‘oi, Papai Noel. Tudo bom? Fui muito comportada, passei de ano e quero fazer um pedido para o senhor. Vou ter que pedir dois presentes. O primeiro, pode ser um vestido, uma boneca, fica ao critério do senhor, fique à vontade. Esse presente, por favor, coloque debaixo da árvore. Agora, eu quero outro presente. Só que esse, o senhor tem que colocar debaixo da minha cama. É um carrinho e uma bola, mas a minha mãe não pode saber porque ela diz que é coisa de menino’. Esse ficou, também, bem marcado”, completa.
Mas o “poder” do Noel nem sempre se reflete em desejos e nem mesmo é sentido apenas pelas crianças. São diversas as histórias vividas com adultos, como a de um jovem que Ari conheceu este ano e que estava saindo de casa pela primeira vez desde a pandemia da Covid-19. De acordo com o ator, o homem deve ter entre 30 e 40 anos.
“Teve um rapaz autista que se emocionou. Ele tem um problema com limpeza e, desde 2020, ele não saía de casa com medo da covid. Ele saiu esta semana e, quando me viu, tremia, chorava. Ele gosta de games e disse que, ‘graças a Deus’, fui o primeiro personagem que ele viu depois que saiu de casa porque mostrava que ele está pronto para sair. Ele disse ‘agora vou sair porque vi o Nicolau’”, revela.
Crescimento
Diante de tantas vivências impactantes ao longo das temporadas interpretando o Bom Velhinho, Ari afirma que tem, hoje, uma relação ainda mais próxima com o Natal e carrega uma bagagem de aprendizados que mudaram muito em si. “Hoje, já não me vejo sem o Natal. Se ficar um ano sem fazer o Papai Noel, vou estranhar muito. Agora, entendo mais a magia do Natal”, diz.
“Você fica reflexivo, pensa ‘poxa, eu tenho saúde; estou trabalhando; estou andando; tenho meu pai, minha mãe, minha família; ninguém está doente sério [sic] lá em casa e tem gente que não tem isso’. A gente meio que cresce como pessoa. De 2018 para cá, se você perguntar quem é Ari, já é outro. O que era prioridade para mim, já não é mais. Você acaba entendendo que a necessidade de um, não é a do outro. Você acaba se doando mais. Aprendi a ser mais receptivo, a escutar mais”, declara o artista.
Gratidão
Os períodos intensos de dois meses interpretando o Noel e recebendo o público são levados com um sentimento de muita gratidão e de missão cumprida. “É muito recompensador. Tem criança que vem aqui cinco, seis vezes. Isso significa que está dando certo. Acho que o meu trabalho é justamente levar sonhos. Se as pessoas estão sonhando, estão acreditando, está dando certo”, afirma. “Este ano, posso falar que estou muito realizado. Fiz muita publicidade por causa do Papai Noel. Este ano, para o meu Papai Noel, foi um presente”.
Estereótipo
Quem vê o personagem, dificilmente imagina que não seja interpretado por uma pessoa com idade maior. Mas o “dono” do Papai Noel do Ari foge completamente da faixa etária e do perfil sereno do personagem. “Tenho, hoje, 38 anos e sou aquela pessoa de balada, amo festa, vou para o Carnatal, amo quadrilha, amo dançar, amo viver. Essa é a verdade. Não sou tranquilo”, explica.
“Às vezes o pessoal fala ‘nossa, pensava que era um senhor de 60 e tantos anos’. Acho que a magia é isso, é quando eu coloco a roupa. Falo com essa voz, mas quando coloco a barba, a voz já muda, ando devagar, já entro no personagem. Isso faz mais as pessoas dizerem ‘não é você [o Papai Noel]’”.