Após silenciar sobre a suspensão do atendimento cardiovascular em Natal e a medida ter sido judicializada pelo Ministério Público Federal (MPF) e o Ministério Público do Estado (MPRN), o prefeito Álvaro Dias (Republicanos) determinou que o município assumirá provisoriamente o pagamento do “extra-teto” de R$ 1,3 milhão aos hospitais privados que suspenderam o atendimento da especialidade no município. Enquanto isso, 34 crianças com graves cardiopatias aguardam a realização dos procedimentos cirúrgicos no RN, entre a vida e a morte.
Segundo o secretário de saúde municipal, George Antunes, Natal se compromete a pagar o extra-teto, mas não soube informar até quando o município conseguirá arcar com os custos sem o apoio do Governo Federal. Ele ressaltou que, a partir desta quarta-feira (8), os hospitais conveniados Incor e Hospital do Coração irão abrir agenda para que as cirurgias cardíacas sejam normalizadas, “de imediato”.
George ressaltou que os hospitais de Natal vêm executando mais serviços do que os contratados. “Temos um contrato para um volume x de cirurgias e fazemos três vezes mais do que esse volume, pagando muito além do que está contratado. Por exemplo, temos um contrato para R$ 2 milhões, mas executamos R$ 5 milhões. Ou seja, temos que ‘bancar’ essa diferença de uma forma que prejudica outras áreas assistenciais, inclusive, dificultando o pagamento de serviços e de colaboradores”, lamentou.
Nesse entrave entre município e Estado para a resolução do problema, o presidente da Associação de Amigos do Coração da Criança (Amico), o médico Madson Vidal, ressaltou o impacto ocasionado pela demora na retomada desses serviços.
“Cada criança tem uma história, uma individualidade, mas o ideal era que não houvesse isso, não fosse interrompido o tratamento. A gente vai ter problemas com diagnósticos que ficaram parados, exames que precisam ser feitos, vamos ter que correr atrás disso. Sempre que se tem um procedimento cirúrgico e o tempo passa, tem agravantes e aumenta a morbidade”, explicou Madson, ao Diário do RN nesta terça-feira (7).
Retomada dos atendimentos teve que ser judicializada
A suspensão dos atendimentos e cirurgias de alta e média complexidade às crianças cardiopatas em Natal, e a possibilidade real de agravamento e até de morte destas por falta de atenção especializada, mobilizou MPRN e o MPF, além das Defensorias Públicas do Estado (DPE) e da União (DPU) na semana passada, quando ingressaram com ação pública com pedido de urgência na Justiça Federal.
Ao Diário do RN, a Secretaria Estadual de Saúde Pública (Sesap) informou que os procedimentos cardiológicos são feitos em unidades privadas a partir de contratualizações conduzidas pela Prefeitura de Natal, contando com um co-financiamento da pasta.
“A ação dos órgãos de controle foi provocada a partir de uma movimentação da própria Sesap, em virtude de não haver autorização por parte do município para realização de procedimentos além do teto que a gestão municipal contratou. A Sesap não se opõe à realização de procedimentos “extra-teto” e está trabalhando em conjunto com os órgãos para montar um plano de realização de cirurgias e demais procedimentos, que deverá ser apresentado em breve”, afirmou.
Os órgãos que assinam a ação apresentada à Justiça Federal pedem ainda que a SMS adote as medidas administrativas necessárias para aditivar os contratos existentes de forma a garantir um mutirão para atender a atual fila de pacientes que aguardam procedimentos cardiovasculares.
O atendimento desses pacientes pela rede pública é realizado em três unidades: Hospital do Coração, Hospital Universitário Onofre Lopes e Hospital Rio Grande, sendo o único que realiza procedimentos cardiológicos em crianças.
Em nota, a Secretaria Municipal de Saúde informou que tinha esclarecido que, em relação aos contratos dos prestadores de cirurgias cardiovasculares em Natal, eles dependem de recursos financeiros dos fundos do município, do Estado, e de um repasse do Governo Federal, por meio do Limite Financeiro da Média e Alta Complexidade Ambulatorial e Hospitalar (MAC).
“Existem dois tipos de teto para os prestadores: o contrato global, que destina uma quantia que pode ser utilizada durante todo o ano, e o contrato mensal, que estipula uma quantia a ser utilizada durante o mês. Os procedimentos cirúrgicos que ultrapassem esse valor, chamados de “extra teto”, são procedimentos que excedem os valores contratualizados. Para estipular um aumento neste quantitativo contratado seria necessário um aumento nos valores recebidos pelo Governo Federal, o qual a SMS já fez a solicitação e aguarda retorno da pasta federal”, informou.
CARDIOPATIAS ATINGE ADULTOS E CRIANÇAS
Atualmente, há 71 pacientes internados que aguardam a realização de cateterismo e mais de 180 em fila para realização de cirurgias cardiológicas eletivas, conforme a Central Metropolitana Regulação.
O MPRN destacou que a fila pode ser ainda maior se for considerar a Central Metropolitana de Regulação, que não tem acesso às listas dos prestadores da rede suplementar de saúde atendidos pelo SUS.
Entre outros pontos, a ACP pede que a SMS determine aos prestadores contratualizados que restabeleçam a realização dos procedimentos cardiológicos em casos de urgência e emergência, levando em consideração critérios de classificação de risco e prioridade de atendimento, que o Estado, por meio da Sesap preste o apoio técnico e financeiro necessário para transferência adequada dos pacientes, com observância dos riscos e atendimento prioritário de idosos, crianças e adolescentes que estejam internados em unidades da rede SUS; que a União, através do Ministério da Saúde custeie 50% dos atendimentos e procedimentos cardiológicos “extra teto contratual” realizados pelos prestadores; e, ainda, que a Ebserh/Huol adquira os materiais e insumos necessários para retomada dos procedimentos cardiológicos de natureza eletiva para os usuários do Sistema Único de Saúde.