Regiões do cérebro humano responsáveis pela função de andar podem ser exercidas e ativadas mesmo em pessoas que sofreram lesão medular completa. É o que revelam cientistas do Instituto Santos Dumont (ISD), Organização Social vinculada ao Ministério da Educação, em estudo que combina treino mental e análise da atividade cerebral (neurofeedback) com tecnologia robótica voltada à reabilitação física.v
Publicado na revista científica internacional “IEEE Transactions on Human-Machine Systems”, o estudo tem como objetivo investigar se o uso do neurofeedback pode aumentar a capacidade e habilidade do usuário em realizar a prática mental dos movimentos corporais envolvidos em uma longa caminhada.
Contudo, diferente dos outros sistemas de neurofeedback, este foi desenvolvido especificamente para distinguir o que é efeito da imaginação do movimento daquilo que vem apenas do movimento das pernas provocado pelo treino robótico de caminhada com o Lokomat, um sistema robótico que suspende o usuário em uma esteira e executa o movimento de membros inferiores. Assim, foi possível entender com mais clareza como a imagética motora baseada em neurofeedback, por si só, pode contribuir para a reorganização dos ritmos corticais após a lesão da medula espinal
Em termos práticos, os pesquisadores submeteram os participantes de pesquisa com lesão medular ao treino robótico enquanto o neurofeedback ensinava o usuário a modular seus ritmos cerebrais de modo diferente da modulação cortical induzida apenas pelo treino da caminhada passiva no Lokomat. “A intervenção testada foi além do que o treinamento passivo pode proporcionar, focando em como o cérebro aprendeu a ativar padrões próximos aos do movimento ativo”, explica a professora pesquisadora Caroline Cunha do Espírito Santo, que participou do trabalho.
Ela ainda complementa que quando foi testada a mesma intervenção oferecendo um neurofeedback falso, não houve diferença na atividade cerebral durante a imagética da caminhada em relação ao movimento no Lokomat, indicando ausência de prática mental.
Esses achados mostram que o neurofeedback é crucial para engajar as áreas motoras corticais durante a imagética motora da caminhada após lesão medular completa, superando a eficácia de comandos verbais.
O estudo publicado faz parte de um dos projetos de pesquisa do Programa de Pós-graduação em Neuroengenharia do ISD (PPGN/ISD), que tem como uma de suas matrizes o desenvolvimento de tecnologias inovadoras para a solução de desafios na reabilitação de doenças e condições neurológicas.
A fisioterapeuta e neuroengenheira Ericka da Silva Serafini, egressa do PPGN, assina o artigo sob orientação da professora Caroline e do professor Denis Delisle-Rodríguez. Segundo os pesquisadores, o estudo aproxima o uso de técnicas científicas como a Eletroencefalografia (EEG) e o neurofeedback à prática clínica.
“Este trabalho aponta que mesmo indivíduos sem movimento voluntário conseguem apresentar modulação da atividade cortical quando recebem tarefas estruturadas e feedback adequado. Isso fortalece a ideia de que o cérebro pode ser treinado mesmo na ausência de função motora, abrindo espaço para estratégias personalizadas baseadas em tecnologias assistivas”, explica.
Além de Ericka, participaram da pesquisa Cristian Guerrero-Mendez, Douglas Dunga, Teodiano Bastos-Filho e o professor pesquisador do ISD André de Azevedo Dantas. O artigo pode ser acessado em: https://ieeexplore.ieee.org/abstract/document/11163517.
Segundo os cientistas, a forma como o cérebro dos participantes respondeu mostra que há potencial para aprendizado e adaptação neural. Isso reforça que o método pode ter aplicação clínica futura. Como as medições usadas são confiáveis, os resultados ganham força e indicam que o neurofeedback pode ser incorporado a programas de reabilitação que estimulem a plasticidade do cérebro.
Equipe interdisciplinar
A equipe envolvida no trabalho científico conta com neurocientistas, profissionais da saúde e engenheiros, interdisciplinaridade que faz parte da atuação adotada do ISD nos âmbitos de ensino, pesquisa e extensão.
“A interdisciplinaridade é fundamental porque a reabilitação de pessoas com lesão medular espinal envolve o conhecimento de diversas áreas. Nesta equipe, cada integrante se dedicou a desenhar e planejar as sessões de reabilitação, analisar e interpretar os sinais cerebrais e desenvolver e ajustar o sistema de neurofeedback. Essa colaboração garante que cada etapa do estudo seja pensada de forma integrada, possibilitando avanços que não seriam possíveis em um único campo de atuação”, considera a professora Caroline.
Sobre o ISD
O Instituto Santos Dumont é uma Organização Social vinculada ao Ministério da Educação (MEC) e engloba o Instituto Internacional de Neurociências Edmond e Lily Safra e o Centro de Educação e Pesquisa em Saúde Anita Garibaldi, ambos em Macaíba. A missão do ISD é promover educação para a vida, formando cidadãos por meio de ações integradas de ensino, pesquisa e extensão, além de contribuir para a transformação mais justa e humana da realidade social brasileira.