Ana Beatryz Fernandes
Repórter
Quando ainda brilham as telas dos notebooks em uma sala pequena com paredes claras que — abriga sonhos gigantes — uma nova economia é costurada com dedos femininos. E ela não é feita apenas de códigos ou pitch decks. Ela é feita de coragem e de mulheres que ousam sonhar um futuro que, desta vez, leve o nome delas no CNPJ — e no coração do mercado.
Um novo movimento tem ganhado corpo, voz e, acima de tudo, coragem. Não é uma revolução com cartazes e palanques. É mais silenciosa. É feita em rodas de conversa que viram plano de negócios, em experiências pessoais e sonhos transformadores. É o movimento das mulheres que empreendem.
E não estamos falando apenas de microempreendimentos. Estamos falando de startups — sim, aquelas empresas de base tecnológica que almejam escalar o mundo inteiro com uma ideia enxuta e disruptiva. Segundo o estudo Startups Report Brasil 2024, produzido pelo Observatório Sebrae Startups, Natal figura entre às dez cidades com mais startups no país — são 361 iniciativas de inovação registradas. No meio disso tudo, as mulheres começam, ainda em menor número, a reconfigurar o mapa da inovação com novas lideranças e propostas que vão muito além do lucro.
Inovar com o afeto como metodologia
Vitória Lohayne é psicóloga e cofundadora da Light Talk, uma plataforma de saúde mental prestes a ser lançada. A ideia surgiu de uma inquietação real, como ela mesma conta, após uma conversa informal com um amigo. O incômodo virou proposta. A proposta virou sonho. O sonho, após várias mentorias e algumas portas fechadas, virou startup. “A gente pensa em saúde mental de forma cíclica, cuidando de quem é cuidado, de quem cuida e de quem está junto nesse processo. Esse olhar, que integra afeto e resultado”, fala sobre a plataforma que ela define como “um ecossistema de saúde mental”.
“Empreender sempre esteve presente na minha vida. Venho de uma família empreendedora, e meu pai foi uma grande inspiração nesse sentido. Sempre tentei colocar ideias no mundo, mesmo quando não davam certo. A Light Talk é a realização de uma dessas ideias que encontrou propósito e parceria para acontecer”, conta Vitória.

Amor, dor e inovação
Luana Wandecy, por sua vez, não nasceu querendo ser CEO. Ela é engenheira da computação e viu sua cadela, Princesa, perder a visão. O sofrimento da companheira foi o estopim de algo maior.
“A Blindog nasceu por amor e por dor, eu vi de perto o quanto isso afetou a vida dela e a minha também”, resume.
Hoje, a startup vende dispositivos de mobilidade para cães cegos em mais de doze países, com mais de oito mil dispositivos entregues e uma taxa de adaptação acima de noventa e três por cento.
“Muita gente achava que era um nicho pequeno demais, que não valia o esforço, que não tinha mercado. Mas a gente sabia o tamanho da dor e como ela era invisibilizada. Fomos provando nosso valor com dados, com resultados e principalmente com histórias reais de tutores e cães que voltaram a viver com qualidade”, relata Luana. E foi assim que a Blindog conquistou prêmios, passou por aceleradoras e hoje lidera o mercado em tecnologia assistiva para pets.

O Sebrae como bússola
No Rio Grande do Norte, mais de 118 mil mulheres integram o quadro societário de empresas, segundo o Sebrae. Muitas começaram por necessidade. Outras por vocação. Mas quase todas enfrentaram — e ainda enfrentam — desafios semelhantes: ausência de redes de apoio, pouca capacitação adaptada à realidade feminina e, acima de tudo, a dupla ou tripla jornada que as obriga a conciliar negócios, filhos e cuidados com a casa.
“As mulheres têm um papel fundamental na geração de renda, diversificação da economia local e na construção de negócios mais sustentáveis e inclusivos. Hoje, elas representam uma parcela significativa dos micro e pequenos empreendimentos no estado”, afirma Elisete Lopes, analista técnica do Sebrae-RN.
A instituição é uma ponte vital para essas empreendedoras, oferecendo capacitações, mentorias, eventos e fomento direto. O Sebrae Delas, por exemplo, é um dos programas que mais impulsionam o protagonismo feminino no estado. Além disso, iniciativas como o Startup Nordeste e o edital Mulheres Inovadoras da Finep têm aberto caminho para que mais mulheres entrem no terreno — ainda árido — das startups.
A psicóloga Vitória Lohayne e sua sócia, Pedrita, participaram do Startup Nordeste ainda com uma ideia no papel. Não passaram na primeira tentativa. Mas voltaram no ano seguinte com dois desenvolvedores e uma estrutura mais sólida.
“A gente vai fazer o lançamento da startup porque o Sebrae está ali junto acreditando na nossa empresa, acreditando no nosso potencial e vai nos auxiliar com uma bolsa de fomento para conseguirmos estruturar melhor a nossa empresa”, relata Vitória.
Para ela, mais do que apoio técnico, o que pesa é o reconhecimento: “A gente quer ser levada a sério. Quer ser vista como empreendedora, não como exceção. ”
Empreender é resistir
A presença feminina nas startups ainda é minoritária. Eugênio Spíndola, analista de inovação do Sebrae-RN, reconhece: “Percebe-se que a presença feminina é mais significativa nos pequenos negócios tradicionais. Há uma participação maior do empreendedorismo feminino do que no mundo das startups, fundadas exclusivamente por mulheres, embora seja um movimento crescente.”
Mas as que estão lá fazem diferença. Todas lideradas por mulheres que transformam em potência aquilo que antes era obstáculo: empatia, escuta, afeto.
“Startups fundadas por mulheres tendem a ter um olhar mais sensível para problemas reais, sociais, invisibilizados, como a Blindog teve com os cães cegos. A gente empreende diferente porque muitas vezes já viveu na pele a falta de soluções para dores ignoradas”, afirma Luana.
“A gente cuida enquanto empreende”, diz Vitória. “E isso não é fraqueza. É estratégia. ”
O futuro tem nome e sobrenome
Enquanto muita gente fala de inovação como se fosse um campo neutro, as mulheres do RN mostram que inovar é também uma questão de gênero. Que equidade não é um adereço institucional, mas uma necessidade de mercado. Que tecnologia pode e deve ser usada para criação e sustentabilidade de pequenos negócios liderados por mulheres. “A tecnologia tem sido uma aliada poderosa para o empreendedorismo feminino. Plataformas digitais de vendas, redes sociais, ferramentas de gestão e capacitações online permitem que mais mulheres entrem no mercado e escalem seus negócios”, pontua Elisete.
Para Luana, da Blindog, o futuro será mais inclusivo: “O mercado pet está se tornando cada vez mais tecnológico, empático e personalizado. As pessoas estão cuidando dos animais como parte da família, e isso demanda soluções mais inteligentes, conectadas e inclusivas”.
Para Vitória, será cada vez mais humano e, ao mesmo tempo, digital. “A gente quer cuidar das pessoas, mas com ferramentas que funcionem. Isso é o mínimo.”
Se depender dessas mulheres — e de outras que ainda virão — o Rio Grande do Norte será um laboratório de inovação com rosto de mulher. Um território onde cuidado e tecnologia caminham juntos. Onde negócios nascem do amor — e do afeto vem o lucro.