Uma das grandes satisfações que sinto é ser acusado por lulistas de bolsonarista e por estes de lulista, porque um dia já fui simpático a Lula e ao PT e porque nunca sequer flertei com o bolsonarismo, apesar de reconhecer, até certo ponto, a correta condução da economia, entregue a Paulo Guedes. Ao final, faltou coragem, para variar, a Jair Bolsonaro, para fazer o que deveria ser feito. Os seus áulicos dizem que faltaram condições políticas ideais.
O nariz de cera acima é proposital, muito embora texto discorra sobre uma comparação entre Bolsonaro e Lula.
Diziam, os profetas do apocalipse de gravata, de meados para o fim da década passada, que Lula teria de se ajoelhar. Anunciavam, com aquele furor funerário de quem já encomendou as coroas de flores, que ele recuaria, que entregaria os pontos, que o Brasil seria uma terra arrasada, um cemitério de ambições. A imprensa e seus corifeus grasnavam o veredito final: ou ele se curvava ou era o fim do mundo. Pois, o sujeito se mexeu e remexeu, fez acordos e conchavos e conluios, peitou adversários e inimigos. Foi tudo o que o ex-capitão do exército sempre fingiu ser em seus delírios.
Chamaram Lula de burro. Eu, cá com meus botões, sorri. Ri da cegueira dos doutos doutores, aqueles que confundem educação formal com sabedoria e inteligência. Pois bem, o que se viu foi uma lição de realpolitik que faria Nicolau Maquiavel, do céu ou do inferno, aplaudir orgulhosamente.
Enquanto Bolosonaro se embrenhava num labirinto de bravatas e saias justas diplomáticas e seus mais devotados seguidores diziam que ele jogava xadrez 5D, Lula jogava xadrez no tabuleiro.
Dizia, com a tranquilidade de um suicida que sabe que vai sobreviver ao tiro: “Só converso se vierem a mim.”
Há dias as manchetes da mídia abordaram a química surgida entre Lula e Donald Trump, o irrequieto presidente dos Estados Unidos.
O Tio Sam, a maior potência do globo, fez um gesto de aproximação. Nos bastidores, no palco da ONU, no telefone… foi um festival de elogios mútuos, uma valsa de crocodilos! Trump, o imprevisível estrategista que mora e trabalha na Casa Branca, reconheceu no ex-sindicalista, um igual na arte paradoxalmente imunda e sublime do poder. É o reconhecimento entre gangsters (sim, a política é aquilo que mundo legal mais se aproxima da marginalidade e da ilegalidade dos grupos mafiosos), a cumplicidade dos que sabem que política é a guerra continuada por outros meios (leiam Carl Clausewitz).
E aqui, meus três ou quatro leitores, desce o pano para o primeiro ato dessa farsa trágica: Lula é um craque da política. Negar isso é como negar a um Garrincha o domínio da bola. É uma cegueira voluntária, uma heresia contra o óbvio.
Vamos, para ilustrar meu raciocínio, ao espetáculo do cárcere. Enquanto o ex-capitão, em sua gestão, vivia uma crise de soluço por uma simples picada de agulha, o que fez o Lula quando a casa caiu? Não chorou, não se debateu, não colapsou. Fez um teatro para gerar imagens para um documentário e, ao final, pronunciou apenas três palavras – dramáticas e teatrais: “Podem me levar.” Ali o homem que abraçou seu próprio mito.
Seiscentos dias! Seiscentos dias na jaula! E o homem não deu o espetáculo patético que todos os seus algozes, no fundo, desejavam. Não houve crise de soluços, nem lágrimas, nem colapso nervoso. Foi uma aula de estoicismo. Max Weber, se estivesse entre nós, trocaria sua ética protestante por um ingresso na primeira fila desse drama. Ele via ali a encarnação da autoridade carismática temperada com uma ética da responsabilidade. E Aristóteles, o velho filósofo, reconheceria naquela postura a magnanimidade, a grandeza de alma do homem que é grande e sabe que é – e não se deixa diminuir nem pela homenagem nem pela pedrada.
Bolsonaro, por sua vez, expressou uma virtude de fantasia, um maquiavelismo de botequim. Queria ser temido e amado, e conseguiu ser, no máximo, ridicularizado e odiado, muito embora ainda seja amado por muita gente. É o príncipe que leu mal o manual de instruções parido no ventre das brigas políticas do final do século XV e início do século XVI.
No fim, gostem ou não, o que temos é isso: um craque e uma baranga. Um que entende o jogo sujo do poder com a genialidade de um artista, e outro que acha que governar é posar para a câmera.
Quem não enxerga isso, repito, nem deveria opinar sobre futebol, muito menos sobre a ciranda das elites. É preferível ficar calado, e deixar que os adultos conversem.
