O Brasil, se fosse honesto consigo mesmo, penduraria na porta do país uma placa escrita: “Fechado para bom senso.” Porque todos os dias somos obrigados a assistir a um espetáculo tão grotesco que faria Ionesco corar. Basta olhar para o STF, esse Olimpo tropical de toga e vaidade.
Moraes defende supersalários como quem defende um herdeiro mimado. Toffoli transforma sigilo em arte contemporânea — cobre tudo com uma lona preta e chama de institucional. E Gilmar… ah, Gilmar! Ele fulmina qualquer possibilidade de impeachment com o tédio de quem espanta um pernilongo. A Corte, dizem, voltou à “normalidade”. Normalidade de hospício, claro.
Mas esse navio da normalidade deixou o porto há muito tempo, mais precisamente em 2019, quando o Inquérito das Fake News surgiu como um Frankenstein jurídico. Desde então, vivemos numa democracia com cláusulas mágicas: o mesmo sujeito investiga, acusa, julga e ainda dá entrevista explicando por que está certo, conforme já escrevi (https://historianosdetalhes.com.br/brasil/as-janelas-fechadas-do-palacio-invisivel/). O Brasil virou aquela peça de teatro escolar em que o professor faz todos os papéis — inclusive o do público.
A parte realmente deliciosamente cínica é, no entanto, observar a nossa aristocracia artística, aquela fauna do Leblon, esse bioma exótico no qual o sujeito acha que uma taça de rosé o torna cientista político. A indignação dessa tchurma que já foi tão performática, hoje evapora como espuma em taça quente.
Caetano Veloso e Gilberto Gil, outrora trovadores da resistência, agora praticam a arte zen do silêncio estratégico. Chico Buarque, nosso bardo laureado, que já escreveu libelos contra todas as tiranias imagináveis (excetuando-se a cubana), hoje grita apenas para reclamar da poluição sonora. Denuncia qualquer autoritarismo (exceto o cubano), desde que o autoritarismo não venha com toga e convite para jantar.
Gregório Duvivier, sempre inflamado quando o inimigo é conveniente, agora parece que entrou num retiro espiritual. Comportamento semelhante ao de Wagner Moura, tão combativo contra generais em filmes, mas incapaz de arranhar a aura sagrada do Judiciário. E Lázaro Ramos, que já discursou sobre democracia como se estivesse no Oscar e hoje parece mais preocupado com a próxima série da Globoplay, pondo de lado do o tsunami institucional que corroi as entranhas do país?
Há mais: Camila Pitanga, que outrora se indispunha por qualquer nuance política, agora medita sobre “afeto democrático”, expressão que, traduzida, significa “não vou me indispor com o poder que me trata bem”. Fernanda Montenegro, nosso “patrimônio nacional”, permanece em postura olímpica, pairando acima, como se o caos institucional fosse um detalhe da plebe. Nem mencionemos Marieta Severo, sempre pronta a defender a democracia quando ela está na moda, nunca, porém, quando está em risco real.
Todos eles, que já fizeram vídeos, manifestos, caminhadas, podcasts chorosos, agora se comportam como se estivessem assistindo a um pôr do sol literário. Silêncio geral. Um silêncio que não é filosófico, mas estratégico. Um silêncio com cheiro de edital, daqueles que… cala-te boca.
E, claro, existem os secundários dessa comédia de horrores: Bruno Gagliasso, que adora uma causa desde que possa postar foto bonita no Instagram; a lindíssima Paolla Oliveira, que protesta com filtro; Leandra Leal, que reclama do fascismo mas esquece o autoritarismo gourmet; e Fábio Porchat, que faz piada de tudo, menos da toga.
E alguém ainda tem coragem de dizer que essa patota defende democracia? Isso não é ingenuidade, é uma comédia involuntária. Quem diz acreditar nisso mente — e sabe que mente — mas continua repetindo, porque nesse teatro nacional todo mundo tem um papel. Uns fingem defender a democracia; outros fingem acreditar nisso.
A verdade? No Brasil, os artistas não são a consciência do país. São apenas a claque mais obediente desse espetáculo deprimente, aplaudindo de pé, enquanto a normalidade pega fogo.
Em tempo: sou fã da maioria dos mencionados. Acho-os bons (alguns), brilhantes (outro tanto) e fenomenais (uns dois ou três).
