Por Carol Ribeiro
Não o julgamento de um ex-presidente, mas o latente ativismo do poder judiciário é o verdadeiro desafio à democracia no país. A análise é do advogado e professor Marcos Araújo, um dos especialistas ouvidos pelo Diário do RN sobre o julgamento de Jair Bolsonaro (PL) e outros sete réus por tentativa de golpe de Estado, organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, dano qualificado contra o patrimônio da União e deterioração do patrimônio tombado. Especialistas ouvidos pelo Diário do RN avaliam que o processo representa tanto a afirmação do papel constitucional da Corte quanto um teste para os limites da linguagem e da comunicação do Judiciário com a sociedade.
Araújo chama atenção para um ponto que considera sensível: o excesso de formalismo nas sessões do Supremo. Para ele, a linguagem inacessível e a teatralização dos julgamentos podem enfraquecer a credibilidade da Justiça.
“Nós temos desde a institucionalização, a publicidade dos julgamentos nas sessões, que há um empolamento da linguagem, os julgamentos se tornaram algo maçantes, longos, duradouros, para a exibição da intelectualidade (…). Isso sim eu acho um problema para a justiça. A justiça tem que saber ser discreta, sem comunicação. Acho que a gente está terminando assistindo o ativismo e a hipertrofia do poder judiciário. Acho que isso é um desafio à democracia do país”, analisou o professor.
Para o professor Marcos Araújo, no entanto, não há dúvidas de que o STF cumpre sua função institucional ao julgar Bolsonaro. Segundo ele, a ideia de que o processo contra o ex-presidente e demais réus representaria um risco à democracia é equivocada.
“Primeiro, eu acho que o julgamento representa não um desafio à democracia, eu acho que é um cumprimento do papel constitucional do STF julgar o ex-presidente. Eu não vejo nenhum paradoxo, nenhum problema nisto”, afirmou.
Já o advogado e professor Olavo Hamilton enxerga o momento como marcante para o país e amplia a leitura para o cenário internacional. Ele lembra que o julgamento está sendo observado por outros países e pode se tornar um marco no enfrentamento a ameaças autoritárias.
“O julgamento que começa hoje está sendo observado pelo mundo inteiro, por dois motivos: primeiro, por haver grande pressão dos EUA contra a condenação de Bolsonaro; segundo, porque pode se tornar um exemplo para o mundo inteiro de como o judiciário pode lidar com ameaças autoritárias que assombram a maioria dos países na atualidade”, destacou Olavo.
Na avaliação de Hamilton, a responsabilidade do STF é dupla: oferecer uma resposta que seja proporcional aos atos investigados e, ao mesmo tempo, estabelecer um precedente inédito no Brasil.
“No plano interno, o desafio é dar uma resposta adequada e proporcional aos atos que eventualmente ameaçaram a democracia brasileira. Lembrando que nunca um golpista foi condenado no Brasil”, ressaltou Hamilton.
O julgamento do ex-presidente teve início nesta terça-feira (02), com a apresentação das sustentações da acusação e da defesa. O primeiro dia de julgamento seguiu o roteiro esperado: acusação e defesa apresentaram suas teses, em um ambiente controlado. O processo apura a conduta de Bolsonaro na incitação ao golpe de Estado no país e nos episódios relacionados às manifestações golpistas de 8 de janeiro de 2023 e pode resultar em sua condenação por atentar contra o Estado Democrático de Direito. A leitura da sentença está prevista para 12 de setembro.