Recentemente, a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro resolveu jogar pedra na vidraça alheia e chamou Lula, aqui em Natal, de “cachaceiro”. Ora, como se isso fosse um insulto político de verdade! Ser cachaceiro e Chefe de Governo não são posições incompatíveis. Ao contrário: em certos momentos da História, o álcool foi não apenas combustível, mas parte essencial da encenação do poder. A questão não é beber, mas se a bebedeira atrapalha o governo.
Lula sabe bem o peso do apelido. Durante o primeiro mandato, um jornalista norte-americano acusou-o de beber além da conta, a ponto de comprometer o exercício da Presidência. O petista ficou furioso, quis expulsar o homem do Brasil. No fim, o jornalista ficou, Lula ficou, e a vida seguiu: reelegeu-se, elegeu sua sucessora, viu-a também reeleita e depois impichada. Foi condenado, preso, solto, voltou ao trono de Brasília. E, em todo esse périplo, nunca se separou do amor à “branquinha” – ou “amarelinha”, ou “rosinha”, conforme o barril em que dormiu a aguardente. Entre um copo e outro, Lula mostrou que o álcool pode ser cúmplice, jamais carrasco, se o bebedor souber dançar com ele.
Eis o contraste. De um lado, Winston Churchill. O velho leão britânico não governava sem sua dose de uísque, sem champanhe, sem conhaque. Bebia nos três turnos. O charuto na mão direita, o copo na esquerda – e com esse arsenal enfrentou Hitler, a Luftwaffe e o sono dos ingleses.
Churchill não apenas bebia: fazia da bebedeira um espetáculo. E parecia invencível, como se a garrafa fosse parte da coroa. A embriaguez não o rebaixava; pelo contrário, dava-lhe um ar de grandiosidade blasé.
Do outro lado, Bóris Iéltsin. Carismático, impetuoso, o herói que subiu num tanque em 1991 para enfrentar os golpistas soviéticos. O álcool não o impediu de sepultar a União Soviética, essa múmia de ferro enferrujado. Mas, ao longo dos anos, o copo começou a cobrar sua fatura.
Tropicava em cerimônias oficiais, balbuciava discursos incoerentes, oferecia ao mundo a imagem de um presidente trôpego. O que antes era energia revolucionária tornou-se farsa etílica. Se Churchill fez da bebida ornamento, Iéltsin fez dela epitáfio.
A história é generosa em exemplos. Nos Estados Unidos, Ulysses Grant, herói da Guerra Civil e depois presidente, era conhecido por seus excessos etílicos. Um general que cheirava mais a rum do que a pólvora, mas que venceu batalhas decisivas e se gravou na memória nacional. No Brasil, Pedro I, o imperador impetuoso, amava tanto a aguardente quanto as aventuras amorosas. Entre um copo e uma amante, proclamou a Independência. Quem diria? Talvez o “Grito do Ipiranga” tenha saído com hálito de vinho do Porto.
Mais recentemente, a União Europeia viu Jean-Claude Juncker, presidente da Comissão Europeia, protagonizar episódios embaraçosos. Cambaleava, distribuía abraços intempestivos, beijava líderes sem aviso prévio. Os diplomatas se apressavam em dizer: “problema nas costas”. Mas todos sabiam que as costas eram apenas pretexto para a velha e boa intoxicação.
O que aprendemos? Que a História é uma taberna. Alguns líderes bebem e transformam a embriaguez em símbolo, como Churchill, que venceu Hitler com uísque na veia. Outros bebem e desmoronam em praça pública, como Iéltsin, que arrastou a dignidade do Kremlin para o balcão de uma taverna. E outros, como Lula, sobrevivem a tudo: à cachaça, aos jornalistas, aos tribunais, às celas e aos eleitores.
No fim, o álcool não derruba nem sustenta sozinho. Ele apenas revela. Faz do líder um personagem mais nítido. Amplia virtudes, escancara fraquezas. É como um espelho maldito que mostra a alma em trajes íntimos. O uísque de Churchill era coragem engarrafada. A vodka de Iéltsin, melancolia e decadência. A cachaça de Lula tem sido sobrevivência pura, destilada.
O poder, meus senhores, é um boteco. Quem não souber beber, cai da cadeira.