Há três anos do último pôr do sol do poeta Nelson Patriota, falecido em 6 de janeiro de 2021, suas Odes continuam encantadoras e a resgatar, com originalidade, um gênero hoje pouco usado pelos chamados “pós-modernos”. O diálogo é interior e, os textos, do mais puro impressionismo, embora com acentos clássicos. A sua leveza, ou doçura, fez-me lembrar, à primeira leitura, a antiga sonoridade da Saudade e Sombra de Marános, do querido Teixeira de Pascoaes, mestre do saudosismo português; versos de Neruda, sobretudo aqueles de suas Odas Elementales, quando tratam do tema amor, e ainda, como não poderia deixar de ser, o gosto da raiz ancestral das odes horacianas, que tanta influência exerceram em Fernando Pessoa (Ricardo Reis).
Além disso, seus versos deixam às claras a sua própria alma e tecem uma relação de intimidade instantânea com o leitor, digna de um grande poeta. Aliás, é ele quem diz, em sua “Ode ao derradeiro segredo”: “Não me importa a resposta/ desde que expresse a essência de minha alma”.
E vê-se que há música na alma e nos poemas, mesmo quando se adentra a “noite voraz”. Além da “oculta voz” que fala por trás dos poemas, há também uma música que parece evocar, pela estética e harmonia, a antiga, introspectiva e permanente sonoridade de um Debussy… “A vida, Laura,/ a preciosa vida/ nos chama!” Não há dúvidas, o “Prélude à l’après-midi d’un faune” diz a mesma coisa.
Aliás, também com apelo à vida, à sensualidade e ao amor inicia Mallarmé o seu poema “Le faune”, fonte de inspiração de Debussy para o seu poema sinfônico: “Ces nymphes, je les veux perpétuer./ Si clair,/ leur incarnat léger, qu’il voltige dans l’air/ assoupi de sommeils touffus./ Aimai-je um rêve?” (Traduzo: “Essas ninfas, eu as quero perpetuar./ Tão claro,/ seu leve encarnado, que volteia no ar/ adormecido em densos sonhos./Terei amado um sonho?”).
Guardiã estética desta resenha, destaco a bela “Ode à oculta voz”, que integra o seu Livro das Odes.
Nelson Ferreira Patriota Neto nasceu em Natal, capital do Rio Grande do Norte, no dia 4 de novembro de 1949. Seus pais, como a maior parte de seus parentes próximos, eram naturais de Touros, cidade litorânea, também do Rio Grande do Norte. Passou toda sua infância na rua Padre Pinto, no bairro da Cidade Alta, Natal.
Entre suas obras de ficção estão “Tribulações de um homem chamado silêncio”, “Um equívoco de gênero”, “Colóquio com um Leitor Kafkiano”, “Prelúdio e fuga para um cavaleiro da Mancha”(nesta narra um encontro inusitado entre Dom Quixote e Câmara Cascudo no gabinete do folclorista potiguar). Em 2019 lançou “Caderno de espantos Seguido de Vatricínios na língua do Não”, um misto de reflexão, poesia, ficção, humor.
Às vezes comentávamos, eu e meu amigo Nelson, sobretudo enquanto discutíamos os originais dos “Vaticínios na Língua do Não”, matéria de seu último livro (“Caderno de Espantos seguido de Vaticínios na Língua do Não”), sobre a proximidade existente entre poesia e profecia.
Em meus arquivos encontro, não sem contida emoção, esse sexteto de sua autoria (creio que inédito), que me mandou certa vez:
“SEXTETO
Profeta poeta vate
Profeta vate poeta
Vate profeta poeta
Vate poeta profeta
Poeta vate profeta
Poeta profeta vate”
Guardarei para sempre em meu coração a lembrança desse inspirado e querido amigo, como nesse meu haicai que ele tanto admirava:
GUARDADOS DA NOITE
entre os guardados da noite
os raios
do último luar