Em todo o mundo, morcegos vivem sob ameaça sem precedentes devido à destruição generalizada de seus habitats e abrigos, à aceleração da mudança climática e às espécies invasoras, entre outros fatores. Buscando promover a conservação dessas espécies, pesquisadores instalaram pela primeira vez no Brasil um portão (bat gate) , que serve para regular ou impedir a entrada de humanos em cavernas, mas que permite a entrada e saída de morcegos.
O experimento precursor está sendo testado na Gruta das Fadas, em Bodoquena (MS), e faz parte de um dos projetos do Plano de Ação Nacional para Conservação do Patrimônio Espeleológico Brasileiro (PAN Cavernas do Brasil), coordenado pelo Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Cavernas ( ICMBio / Cecav ).
Segundo a bióloga e doutora em Biologia Animal, coordenadora do Programa Brasil da ONG Bat Conservation International (BCI) e colaboradora em algumas ações do PAN, Jennifer Barros, a proposta do projeto é compreender se, e de que forma, o portão pode afetar o comportamento de diferentes espécies de morcegos, além de avaliar se essa medida pode se tornar uma estratégia de conservação a ser replicada em outras cavernas.
“Esperamos que as espécies consigam se adaptar à mudança e continuem utilizando a caverna. Um portão como estratégia de conservação pode ser especialmente importante em casos de cavernas que possam oferecer riscos às pessoas, mas que sejam abrigos essenciais para espécies vulneráveis de morcegos, como é o caso da Gruta das Fadas, onde há uma importante colônia da espécie Natalus macrourus , ameaçada de extinção no Brasil”, afirmou a pesquisadora.
Apesar do ineditismo no país, os bat gates são comuns na América do Norte e na Europa. Para testar a viabilidade da estratégia na Gruta das Fadas, pesquisadores instalaram uma versão preliminar em madeira, ainda não fixada completamente na rocha, mas que simula como seria o portão real, em metal.
“Caso os morcegos não se adaptem, podemos retirá-los facilmente, sem causar interferências permanentes na caverna. Pensamos em utilizar barras horizontais e o mínimo possível de barras verticais para não prejudicar a manobrabilidade dos morcegos em voo” , explicou Jennifer Barros.
Em relação ao comportamento dos morcegos diante da intervenção, a mestra em biologia e uma das colaboradoras desse trabalho, Aléxia Murgi , coloca que “era grande a expectativa em visualizar como os morcegos reagiriam ao portão na primeira noite. No início, observamos que ficaram confusos com a presença das barras, mas depois que os primeiros indivíduos saíram, a colônia acompanhou o ritmo, e hoje já podemos notar que Natalus macrourus está apresentando uma facilidade de adaptação ao portão, algo que nos deixou muito empolgados” .
O bat gate segue sendo monitorado e conta com filmagens bimensais para contagem da colônia de morcegos e para avaliação do comportamento de saída e entrada dos animais na caverna. A ideia é que , com as informações colhidas , sejam verificadas possíveis alterações, dificuldades e adaptações das espécies em decorrência da instalação do portão.
A instalação do bat gate também conta com a colaboração dos pesquisadores e espeleólogos Vitor Moura e Tiago Sato, que atuaram no design e implementação do portão, respectivamente. Segundo os pesquisadores, a colaboração e autorização do dono da área, Domingos Damaceno, também foram imprescindíveis para a realização do estudo.
O protagonismo dos morcegos no ecossistema
De acordo com o doutor em biologia, professor da Universidade Federal de Lavras (UFLA) e articulador dessa ação no PAN Cavernas do Brasil, Enrico Bernard, os serviços ecossistêmicos prestados pelos morcegos são de valor enorme para a população brasileira, e entre eles está a supressão de pragas agrícolas e de insetos que são vetores de doenças em seres humanos. “A agricultura brasileira, por exemplo, tem muito a perder caso essas espécies de morcegos desapareçam. Segundo nossos estudos, colônias numerosas de morcegos de uma única caverna podem retirar até 82 toneladas de insetos em um ano” , afirmou o professor.
Em relação à agricultura, Enrico explica que “só a produção de milho no Brasil hoje tem o benefício de 390 milhões de dólares por ano com a supressão de pragas, como a lagarta de cartucho e mariposas, sem contar com os benefícios obtidos pelos produtores de subsistência, que têm a ajuda dos morcegos na eliminação de insetos em suas plantações de milho, de caju, ou de mandioca, por exemplo” .
A relevância da Gruta das Fadas
A doutora em biologia, que vem atuando no monitoramento da colônia de morcegos na Gruta das Fadas, conta que a cavidade possui mais de um quilômetro de galerias mapeadas e uma extensão considerável do local consiste em um rio subterrâneo ativo. “Para se ter uma ideia, o fluxo de água do rio é semelhante ou maior ao córrego Campinas, que consiste na principal fonte de água do assentamento”, explicou a pesquisadora.
Segundo Lívia, “a gruta abriga inúmeras novas espécies para a ciência, incluindo táxons diversos como gastrópodes, aranhas, opiliões , onicofora e vertebrados como peixes. A cavidade também é considerada um sítio paleontológico relevante, onde mais de uma dezena de espécies de mamíferos do quaternário já foram registrados” .
Questão humana
Além de ser uma medida para conservação de morcegos, o portão também é uma ferramenta de segurança para humanos, já que segundo Aléxia Murgi , instrumentos de medição de gás mostraram que os níveis de CO2 no interior da caverna são muito elevados. “Para se ter uma ideia, o medidor consegue registrar até 10.000 partículas de CO2 por milhão, e na maioria das vezes esse nível era atingido com muita rapidez” , afirmou a pesquisadora.
Sobre o PAN Cavernas
O PAN Cavernas do Brasil possui 44 ações, que são distribuídas em quatro objetivos específicos, visando cumprir o objetivo geral: prevenir, reduzir e mitigar os impactos e danos antrópicos sobre o patrimônio espeleológico brasileiro, espécies e ambientes associados, em cinco anos. Além disso, contempla 168 táxons nacionalmente ameaçados de extinção, estabelecendo seu objetivo geral, objetivos específicos, prazo de execução, formas de implementação, supervisão e revisão.

