A pauta de gênero é uma dessas modas que percorrem em velocidade estonteante universidades, redações e reuniões de gente pretensamente descolada, sempre prontas a transformar qualquer fato em símbolo. Quando convém, vira bandeira; quando não, silêncio conveniente.
Lula, que há décadas entende como poucos o humor do eleitorado e o funcionamento da plateia, sabe disso de cor e salteado, como nos pedia a lição dona Candoca, minha saudosa professora na Escola Pio X, em Florânia. Em 2022, durante a campanha eleitoral, discursou com fervor quase religioso sobre inclusão e diversidade, falando de mulheres, negros, índios e todas as minorias possíveis. Mas, na hora de agir, a retórica some.
Desde que voltou ao Planalto, teve duas oportunidades de nomear uma mulher para o Supremo Tribunal Federal (STF) e nomeou dois homens. Agora, com a aposentadoria de Luís Roberto Barroso, surge a terceira chance. E, ao que tudo indica, Lula vai desperdiçá-la com entusiasmo, indicando Jorge Messias, o “Bessias”, aquele mesmo das pedaladas e dos bilhetes enigmáticos de Dilma Rousseff.
A esquerda engajada grita, mas Lula não ouve. O coro das militantes pede que o presidente “corrija a história”, afinal, durante todos os anos que existe, o STF teve apenas três mulheres entre os seus membros. Dessas, só uma foi nomeada por Lula: Carmen Lúcia, em 2006. É um currículo tímido para quem se apresenta como o campeão da inclusão. Mas a verdade é que Lula nunca nomeou ninguém por militância. Nomeia por conveniência. E conveniência, no vocabulário lulista, significa arranjo político, fidelidade pessoal e cálculo eleitoral. No Supremo, ele sempre quis ministros previsíveis, afinados com o governo, gente “de confiança”. Se forem homens, mulheres ou extraterrestres, tanto faz; o importante é que saibam quem é o chefe.
A militância, claro, finge espanto. Mas o próprio eleitorado de Lula não está nem aí para o assunto. A pauta de gênero, no mundo real, não elege nem síndico de prédio. Serve apenas para enfeitar discursos, lacrar nas redes e acalmar consciências progressistas. É o teatro da virtude, o espetáculo de quem gosta de parecer bom sem precisar fazer nada de concreto. Lula sabe disso melhor que ninguém. Fala como militante, age como político – e entre os dois, caros leitores, há um abismo de esperteza.
A esquerda gostaria de acreditar que Lula se move por ideais, mas ele se move por instinto. A escolha de Messias, se confirmada, é puro pragmatismo: mais um ministro “amigo”, leal e previsível. Não é a primeira vez. De suas nove nomeações para o STF, apenas uma, como dito acima, foi feminina. As outras foram produto de alianças, recompensas e combinações partidárias. O motivo é simples: Lula não quer um tribunal plural. Ele quer um tribunal confortável. E essa diferença explica tudo.
Os defensores da “representatividade” berram que o presidente perde uma oportunidade histórica. É verdade. Mas quem esperava outra coisa? Desde 2003, Lula se comporta como um pragmático disfarçado de idealista. É um homem que fala de igualdade em palanques, mas que se aconselha com banqueiros. Que cita mulheres em discursos, mas confia o poder aos mesmos homens de sempre. Que posa de progressista, mas joga como conservador quando o assunto é preservar o seu espaço.
No fim das contas, Lula tem razão em um ponto: a prerrogativa de nomear é dele, e ele a exerce conforme a própria consciência – ou conveniência. O resto é militância de vitrine, mais preocupada em parecer justa do que em compreender a lógica do poder. O Supremo Tribunal Federal, para Lula, nunca foi símbolo de representatividade; é apenas mais uma peça no seu tabuleiro. E, como sempre, ele move as peças com a frieza de quem sabe que, no Brasil, o discurso muda, mas o jogo continua o mesmo.