Uma Ode à Lua Cheia
Sempre que você ressurge parece mais deslumbrante
E eu sei, lua, que não aceita uma adoração minguante.
O mar ao segurar um espelho para sua contemplação
Você ri de Narciso, cuja beleza nem se compara à sua.
As ostras abrem suas conchas ao vê-la surgir tão nua;
Os corais se excitam e recrudescem a sua fecundação.
Nada fica indiferente ao seu corso pelas ruas dos céus.
Qual a libélula, se transforma com seus diáfanos véus
Em aparições arrebatadoras e inexoráveis a cada mês
Mostrando sua força ao ninar oceanos, criando marés;
E sua ternura, na luz macia que nos deixa aos seus pés
Prostrados diante da magia que se refaz mais uma vez.
Não por acaso os antigos, feito deusa, lhe idolatraram.
De Mama Quilla os incas, Ixchel os maias a nominaram;
Chandra os hindus, Mani os nórdicos, os poetas de Lua.
E aí está você, lua, estilhaçada no seu próprio espelho
Em cacos de prata que luzem no meu vinho vermelho
E entre dois barcos, par de sapatos que no mar flutua.
O Mar do Meu Olhar
A tardinha descia do céu e vagava na praia com pés de lã,
Tão ouro-lilás que parecia ser gêmea do nascer da manhã;
E na varanda, o silêncio trincava com o marulho marinho.
Avancei mar adentro (os olhos estreitando no lusco-fusco)
Sobre a pele líquida e ia desviando dos peixes e moluscos
Que queriam impedir de meu olhar seguir o seu caminho.
Ao voltar lá do finzinho do mar, dois pescadores puxavam
Das águas próximas uma rede triste na qual se rebelavam
Tainhas de alumínio a fagulhar reflexos de um sol poente.
Seguindo a tardinha nas areias mornas, gravava na retina
Ariscos chama-marés, conchas brancas e tão pequeninas,
E uma amarra de âncora enrodilhada feito uma serpente.
É um mistério que esse mar tão sem-fim na sua vastidão
Caiba inteirinho dentro desse meu olhar em estupefação
E até, vez em quando, formando altas vagas encrespadas.
Esse meu mar ocular também tem tempos de calmarias;
Ou se choca nos recifes da retina a espargir as enxofrias;
Ou faz as suas marés com ondas de lágrimas . . . salgadas!
*Biólogo marinho e poeta