Por Carol Ribeiro
A decretação da prisão domiciliar de Jair Bolsonaro (PL) nesta semana, por decisão do ministro Alexandre de Moraes, acentuou ainda mais o embate entre o ex-presidente e o Supremo Tribunal Federal, ao mesmo tempo em que amplia o desconforto diplomático entre o Brasil e os Estados Unidos. A medida foi analisada pelo advogado e professor Olavo Hamilton, que considera haver mais de um fundamento jurídico para a decretação da prisão preventiva, mas observa que o ministro optou por medidas cautelares escalonadas ao invés de enviar o ex-presidente diretamente para uma cadeia pública.
“Se fosse um juiz de primeiro grau e um réu comum que não fosse um político proeminente como é Bolsonaro, já estaria preso em uma cadeia pública, porque teria se enquadrado em mais de um embasamento técnico jurídico legal para a prisão preventiva”, avaliou.
Olavo Hamilton explicou que a prisão domiciliar imposta agora é uma resposta à reincidência no descumprimento das medidas impostas anteriormente por Moraes. Segundo ele, houve ao menos três episódios claros de violação das cautelares e qualquer um deles já justificaria uma prisão preventiva.
“Ficou muito evidente que Bolsonaro e Eduardo Bolsonaro, por meio de Eduardo, estavam nos Estados Unidos da América, diligenciando no sentido de aplicar sanções ao Brasil e ao magistrado, em razão do processo que corre sobre o golpe de Estado. Esse tipo de situação onde você pressiona o magistrado ou busca prejudicar o magistrado para reverter uma situação jurídica que lhe é desfavorável, é caso de prisão preventiva. Hoje a regra é: se cabe uma prisão preventiva, o juiz deve analisar se existe alguma medida cautelar que possa ser aplicada, que tenha o mesmo efeito da preventiva, ou seja, prevenir que o réu continue praticando aqueles atos”, explicou.
Hamilton relembra que, inicialmente, Moraes aplicou uma cautelar que proibia Bolsonaro de incitar desordem nas redes sociais. Diante do descumprimento, novas medidas foram impostas:
“Bolsonaro descumpriu a primeira medida cautelar, que era no sentido de se abster de promover desordem, a postar nas redes sociais incentivando que as pessoas pressionassem o Poder Judiciário brasileiro. Na medida em que ele descumpriu, Alexandre busca uma nova medida cautelar, que, na opinião dele, seria suficiente – que foi o uso de tornozeleira e determinar que ele se recolhesse em casa depois de determinado horário, às 18h, e nos finais de semana”.
Mesmo assim, houve novo descumprimento: “Mais uma vez, a prisão preventiva poderia ter sido decretada, mas, mais uma vez, Alexandre de Moraes optou por uma medida cautelar diversa da prisão preventiva, que seria o recolhimento em uma penitenciária — aliás, em uma cadeia pública. E aí a medida foi a prisão domiciliar”, afirmou.
O professor também comentou as pressões internacionais promovidas pelo ex-presidente Donald Trump contra o Brasil, em represália ao avanço dos processos judiciais contra Bolsonaro. A análise de Olavo Hamilton revela que o momento vivido pelo país é de risco institucional concreto, em que a insistência de Bolsonaro em desafiar o Judiciário coloca à prova os limites da paciência legal. Ao mesmo tempo, o movimento internacional de apoio político promovido por Trump acirra tensões diplomáticas, ameaça o comércio internacional e testa os pilares da soberania nacional.
“O Brasil é um Estado soberano e tem um Judiciário independente do Executivo. A relação de Donald Trump com o Brasil deve ser uma relação com o Executivo, uma relação diplomática com o Executivo. Jamais poderia ser uma relação direta com o Poder Judiciário ou uma relação direta com o Poder Executivo, tensionando resolver um problema que é típico do Poder Judiciário”, disse.
O advogado Daniel Victor faz avaliação na mesma linha ao Diário do RN. Sob a ótica legal, destacou que o descumprimento reiterado das medidas cautelares justificaria, por si só, a decretação da prisão preventiva. Para ele, a resposta da Justiça tem sido, até aqui, cautelosa.
“Segundo a legislação penal, as medidas cautelares são substitutivas à prisão preventiva.
Portanto, apenas podem ser aplicadas, em tese, quando estiverem presentes os requisitos que também permitem o encarceramento do réu durante o curso do processo”, disse.
Daniel afirma que tanto na decisão que impôs as medidas cautelares iniciais quanto na que determinou a prisão domiciliar, o Supremo Tribunal Federal reconhece que Bolsonaro está atrapalhando a instrução criminal, ao tentar coagir o magistrado responsável pelo processo. Para o jurista, as atitudes do ex-presidente seriam, em qualquer outro caso, suficientes para justificar a prisão preventiva.
“Qualquer cidadão leigo, analisando as medidas cautelares impostas no processo, independentemente de concordar ou não com as restrições estabelecidas, verifica que houve o descumprimento reiterado, justificando a conversão em prisão. Qualquer outro réu já estaria preso há mais tempo, diante da quantidade de agressões já perpetradas pelo réu no curso dessa ação penal”, reitera.
“cautelares são excessivas”, avalia Marcos Araújo
Enquanto parte da comunidade jurídica avalia que há fundamentos sólidos para as medidas impostas ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), há também quem questione sua constitucionalidade. Para o advogado e doutor em Direito Constitucional Marcos Araújo, as medidas cautelares determinadas pelo ministro Alexandre de Moraes, inclusive a prisão domiciliar, “não têm guarida no direito constitucional” e ultrapassam os limites do devido processo legal.
Araújo argumenta que as medidas aplicadas por Moraes não se enquadram nos objetivos legais previstos no artigo 319 do Código de Processo Penal, que são impedir novos crimes, evitar destruição de provas ou intimidação de testemunhas e prevenir fuga do acusado.
“Essas medidas cautelares de cerceamento e impedimento de utilização de redes sociais e de dar entrevista não têm guarida no Direito Constitucional e nem no processo penal. Postar em redes sociais não é ação típica de uma fuga. Eu acho que é uma cautelar que foge dos critérios”, analisa Araújo.
Araújo considera a prisão domiciliar uma medida desproporcional. Ele recorda inclusive outro episódio polêmico envolvendo restrição à liberdade de expressão.
“Essa prisão auxiliar de Bolsonaro, eu acredito como excesso. A Suprema Corte vai ter que revisitar esse tema no futuro. Assim como foi uma vez, quando o ministro Luiz Fux deu uma liminar para impedir que Lula desse entrevista quando estava preso. Era um absurdo. A prisão era corporal, não do direito de fala, do direito de opinião”, reflete.
Já ao comentar o contexto internacional, com as ações de Donald Trump para pressionar o Governo brasileiro e o Judiciário, Marcos Araújo classifica como uma “intromissão patética”.