Neste intervalo contemplativo, sob o domínio da emoção romântica, estampo alguns caros poemas, lidos e relidos no tempo que me coube: O INFINITO, do italiano Leopardi e TRISTEZA, do francês Musset. Os seus tradutores são, respectivamente, Vinicius de Moraes e Guilherme de Almeida. No final, introduzo uma nota sobre o genial poeta romeno Eminesco, acompanhada de uma de suas poesias, um soneto traduzido por Nelson Vainer. Vejamos, então:
GIACOMO LEOPARDI (1798-1837)
O INFINITO
Sempre cara me foi esta colina
Erma, e esta sebe, que de tanta parte
Do último horizonte o olhar exclui.
Mas sentado a mirar, intermináveis
Espaços além dela, e sobre-humanos
Silêncios, e uma calma profundíssima
Eu crio em pensamentos, onde por pouco
Não treme o coração. E como o vento
Ouço fremir entre essas folhas, eu
O infinito silêncio àquela voz
Vou comparando; e vem-me a eternidade
E as mortas estações, e esta, presente
E viva, e o seu ruído. Em meio a essa
Imensidão meu pensamento imerge
E é doce o naufragar-me nesse mar.
ALFRED DE MUSSET (1810-1857)
TRISTEZA Eu perdi minha vida, e o alento
E os amigos, e a intrepidez,
E até mesmo aquela altivez
Que me fez crer no meu talento.
Vi na Verdade, certa vez,
A amiga do meu pensamento;
Mas, ao senti-la, num momento
O seu encanto se desfez.
Entretanto, ela é eterna, e aqueles
Que a desprezaram – pobres deles! –
Ignoraram tudo talvez.
Por ela Deus se manifesta.
O único bem que ainda me resta
É ter chorado uma ou outra vez.
NOTA:
Dentre tais expoentes europeus – e outros de igual magnitude – uma estrela brilha na Romênia e seu brilho aquece o Ocidente, embora pouco notado entre nós: MIHAIL EMINESCO, aquele que disse o seu epitáfio nesses versos:
“Tenho ainda um desejo:
Na tarde silente
Me permitais morrer
Na beira do mar.”
Conheço-o graças à ANTOLOGIA DA POESIA ROMENA, traduzida e organizada por Nelson Vainer, editada em 1966 (pela Editora Civilização Brasileira), e que tenho a subida honra de possuir desde então, como presente do hermano Hermano.
Dele faz rasgados elogios Giuseppe Ungaretti: “Raramente se encontra na literatura dos últimos dois séculos uma figura de escritor e poeta mais complexa e mais completa que a de Mihail Eminesco.” “(…) poeta de sentimento torturado e ardente até à conquista do mais alto esplendor, que faz dele um dos maiores poetas do seu tempo e de todos os tempos, através da humanidade, Eminesco permanece para sempre um dos mestres da palavra poética profundamente inspirado.”
Bernard Shaw, em carta dirigida à escritora Sylvia Pankhurst que, em 1930, publicara, em Londres – e pela primeira vez em inglês -, uma coletânea de poemas de Eminesco, situa o poeta entre os maiores poetas românticos do século XIX.
O meu amigo e poeta, o norte-rio-grandense Jarbas Martins, que acolhe e coleciona sonetos, certamente gostará deste, romântico. Não é a obra-prima de Eminesco, geralmente assim considerado o seu poema LÚCIFER (Estrela da Manhã), um longo de 46 quadras, ou seja, 184 versos. Mas o soneto escolhido é belo e traz, bem talhada, a medida do romantismo:
SONETO
Quando a própria voz dos pensamentos se cala,
e em mim ressoa um canto doce e piedoso
então, te invoco; ouvirás o meu apelo?
Das brumas frias em que nadas, irás libertar-te?
Irão iluminar a noite profunda
os teus olhos grandes, portadores de paz?
Ressurges da sombra dos tempos idos,
Para ver-te voltar – como em sonho, assim, viva!
Desces devagar… perto, mais perto,
aconchegas-te novamente sorrindo à minha face,
oh, teu amor com um suspiro mostra-o,
com tuas pestanas tocas as minhas pálpebras,
que eu sinta a vibração do teu abraço
perdida para sempre, eterna adorada.