O Brasil segue encurralado num Fla-Flu político que divide lulistas e bolsonaristas em duas torcidas organizadas. A coisa já está insípida, mas segue dando o tom político no país.
Em setembro de 2025, a disputa ganhou dois capítulos quase teatrais. No dia 7, o desfile cívico-militar em Brasília reuniu autoridades, enquanto Brasil afora foram organizadas movimentações de ruas ligadas ao espectro político de direita, as quais serviram de palanque para discursos contra o Judiciário e para pedidos de anistia aos condenados pelo 8 de janeiro. Grupos da esquerda também se organizaram, no mesmo dia, defendendo justiça social e soberania popular, mas sem conseguir roubar a cena de uma direita que ainda sabe usar símbolos militares e a bandeira nacional com habilidade – ainda que uma das estrelas do dia tenha sido a bandeira dos Estados Unidos da América.
Duas semanas depois, em 21 de setembro, a esquerda resolveu mostrar que ainda tem fôlego. Ato contra a chamada PEC da Blindagem – que facilitaria a vida de parlamentares processados – e contra qualquer anistia aos golpistas de 8 de janeiro ocupou ruas em 33 cidades, inclusive todas as capitais. Em São Paulo, foram cerca de 43 mil pessoas na avenida Paulista, número equivalente ao mobilizado pela direita duas semanas antes. Em Salvador, Daniela Mercury e Wagner Moura engrossaram o coro; no Rio de Janeiro, Chico Buarque, Caetano Veloso e Gilberto Gil cantaram para militantes como se estivessem novamente nos anos 1960. O empate técnico mostrou que a guerra das ruas continua sem vencedor, mas deixou claro que a esquerda reaprendeu a marchar.
A disputa cultural, porém, expõe fragilidades. O bolsonarismo exibe pastores, sertanejos de refrão fácil, influenciadores digitais, atores reciclados como Regina Duarte e coachs de palco. A esquerda, incapaz de revelar vozes novas com o mesmo peso, volta a depender de Chico, Caetano, Gil, Paulinho da Viola, Djavan e Lenine, artistas que simbolizaram resistência durante a ditadura militar, mas cuja repetida convocação denuncia carência de renovação. Nos anos 1980-90, as Diretas Já e o impeachment de Collor arrastaram milhões sem depender de hashtags nem de celulares levantados para selfies. Hoje, a convocatória vem de influenciadores e playlists, e o ato político vira show transmitido ao vivo no Instagram.
Há, no fundo, uma simetria que torna tudo previsível. A direita insiste na narrativa da perseguição judicial e defende anistia como se fosse sinônimo de liberdade. A esquerda responde com a velha guarda cultural, evocando memórias da luta contra a ditadura e exigindo punição aos golpistas. Ambos se dizem independentes, ambos se apresentam como guardiões da democracia, ambos tratam a Avenida Paulista como se fosse Maracanã em final de campeonato. O país, enquanto isso, assiste ao clássico interminável, em que dois exércitos de torcedores se enfrentam sem árbitro, sem prorrogação e sem apito final. É o Brasil, de novo, transformado em arquibancada. A maior parte dos torcedores, porém, só tem dinheiro para assistir a peleja em pé, na geral (lembram dela?).