Por Pedro Lúcio (@pedroluciojor)
O Hospital Monsenhor Walfredo Gurgel, maior hospital público do Rio Grande do Norte, vive mais um momento de crise. Um filme que se repete regularmente. Corredores cheios de macas e enfermarias lotadas, muitos desses pacientes aguardando cirurgias ortopédicas. Entre eles, uma senhora de 109 anos que deu entrada na terça-feira (10), com fratura no fêmur, e, só após denúncia do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras em Saúde do Rio Grande do Norte (Sindsaúde), conseguiu ser encaminhada para a enfermaria na noite desta quarta-feira (11), mas sem previsão para ser cirurgiada.
Segundo a diretora do Sindsaúde, Rosália Fernandes, o problema não vem de agora. A falta de estruturação da saúde no RN, como um todo, tem agravado a situação da unidade. “O que a gente tem visto ao longo dos anos é o fechamento de serviços. Não existe hospital de retaguarda no interior, só tem serviço de ortopedia em Natal, Parnamirim e em Mossoró”, explica Rosália, que também trabalha no hospital.
A situação de superlotação, que infelizmente não é novidade no Hospital Monsenhor Walfredo Gurgel, foi potencializada por conta da greve dos anestesiologistas – provocada por atrasos no repasse dos valores devidos pela Secretaria de Estado da Saúde Pública (Sesap) à Cooperativa dos Anestesiologistas do Rio Grande do Norte (Coopanest). A paralisação reduziu o ritmo, já lento, de realização de cirurgias ortopédicas na unidade.
Segundo o último levantamento divulgado pelo Sindsaúde, na quarta-feira (11), 80 pacientes estavam nos corredores, sendo que 57 deles aguardavam atendimento ortopédico. “Há também pacientes que estão nas enfermarias aguardando cirurgia de ortopedia. Tem também os pacientes que, desde o início do ano, foram transferidos para o Hospital Memorial, mas todos eles aguardam cirurgias de ortopedia”, completou Rosália Fernandes, que também acrescenta que esses procedimentos não realizados acarretam sequelas aos pacientes por conta da calcificação.
Outro problema: o cenário, por si só, é um risco à segurança epidemiológica do Estado, tão pregada durante a pandemia, mas parece esquecida nos corredores do Walfredo. Essa aglomeração aumenta o risco de contaminação por doenças infecciosas tanto para pacientes quanto para seus acompanhantes.
“Hoje, estamos vivendo uma calamidade. Pacientes amontoados, idosos 80, 90, 100 anos com fraturas de fêmur, de braço, de punho, de ombro e que não conseguem atendimento adequado. Além das outras patologias que existem dentro do hospital, o Walfredo não é só ortopedia, existem salas presas dentro do centro cirúrgico com pacientes que precisam de leitos de UTI, mas não tem vaga. Então é uma situação de extrema gravidade”, desabafa Rosália.
Ainda segundo o Sindsaúde, os técnicos de enfermagem começam suas jornadas de trabalho no pronto-socorro do Walfredo tendo que acompanhar cerca de 15 pacientes e, ao longo do dia, isso piora com a chegada de mais e mais pacientes.
CONDIÇÕES PRECÁRIAS
As condições de trabalho no hospital são desafiadoras, mas não apenas para os servidores estaduais. Sindicatos denunciam que os funcionários que atuam nos serviços terceirizados, algo comum nos dias de hoje, muitas vezes nem o salário em dia recebem.
Os trabalhadores terceirizados responsáveis pela parte de lavanderia, vinculados a empresa Jaguari, ainda não receberam o salário do mês de dezembro, nem o 13º e há trabalhadores que estão com férias atrasadas.
Algo semelhante acontece com os trabalhadores da cozinha do Walfredo, que são vinculados à empresa JMT. Além de não terem recebido o salário devido, a maioria dos funcionários está a anos sem férias e alguns deles nunca tiveram.
Neste cenário, os trabalhadores vinculados às duas empresas, e que atuam na unidade, deflagraram uma greve até que a situação seja normalizada. Segundo o Sindicato dos Empregados no Comércio Hoteleiro e Similares do Rio Grande do Norte (Sindhoteleiros), que representa a categoria, as duas empresas atrasam constantemente os salários, algo que motivou paralisações anteriores. No caso da JMT, nem o depósito do FGTS dos trabalhadores tem sido realizado.
“A JMT sempre tem atraso de salário todo mês, é sistemático. O FGTS está atrasadíssimo e a gente tem uma ação coletiva sobre esse tema. Fora a questão de assédio moral contra os trabalhadores. Não existe comunicação com a empresa: nem os trabalhadores, nem o sindicato consegue informações quando vai ao RH da empresa”, explicou Sandoval Lopes, presidente do Sindhoteleiros.
Sandoval e Rosália concordam que a culpa de toda essa situação é da Sesap. Para ele, a secretaria deveria ser mais atuante na fiscalização dos contratos para garantir pagamento de salários em dia e depósito do FGTS. Para ela, a pasta deveria ir além, romper esses contratos e abrir novas licitações com empresas que cumpram com seus deveres com os trabalhadores.
Os plantonistas também acabam saindo prejudicados durante as greves dos terceirizados. Na última paralisação, ocorrida no mês de dezembro de 2022, os servidores passaram os 7 dias que ela durou sem nenhum fornecimento de alimentação por parte da Sesap.
SESAP
Em nota, a Sesap informou que o débito com a empresa será pago até o final do mês. Perguntada se forneceria algum meio para os plantonistas se alimentarem, informou que sim, mas não disse o que faria exatamente. As empresas JMT e Jaguari não atenderam quando tentamos contato.
“Então são dois lados e é cruel isso. É mais uma demonstração de que a vida dos trabalhadores e a saúde da população não são prioridades para nenhum governo”, conclui.