O sol estava a pino em uma tarde de quinta-feira no Distrito Federal, com a baixa umidade castigando quem percorria os corredores estreitos da feira permanente do Setor P Norte, em Ceilândia. O calor, extenuante, parecia aumentar sob o telhado de zinco que cobre o conglomerado de boxes.
No entanto, o que realmente ebulia a temperatura estava no interior de bancas que transformaram a venda de cerveja em um espetáculo sensual, com garotas vestindo roupas mínimas. Desinibidas, maquiadas e cheirosas, as moças disputavam quem desfila com o short mais curto ou a minissaia mais ousada.
As vendedoras, entre 17 e 25 anos, são conhecidas como “iscas” – apelido dado àquelas que seduzem os clientes com “voz melosa” e presença marcante. A missão é clara: fazer os homens gastarem o máximo possível em bebidas.
A primeira impressão é que as bancas funcionam como espécie de “puteiro light” travestido de barracas alimentícias. Ledo engano. Cada banca opera com até com seis meninas que se desdobram simultaneamente para lucrar com a venda de bebidas geladas, e só. Provocantes, as peças de roupa usadas pelas iscas parecem pensadas para explorar uma fenda, um detalhe, uma curva.
As garotas precisam vender, no mínimo, 15 garrafas por dia, cerca de R$ 225 em faturamento para bater a meta. O pagamento pinga em forma de comissão: R$ 5 por garrafa, além do valor da passagem de ida e volta. “Dá para tirar uns R$ 800 por semana”, contou uma das jovens, sem saber que estava sendo filmada. Outra, ainda com feições infantis, revelou ter 17 anos. Ela usava um microvestido brilhante para atrair clientes. “Não faço programa, mas gosto de beber igual gente grande”, disse, em meio a risos.
Cerveja exorbitante
O negócio é lucrativo, apesar de o preço cobrado assustar quem passa pela primeira vez. Uma simples long neck não sai por menos de R$ 15. Um trio de garrafas “litrão” custou R$ 93 durante a visita da reportagem ao local. Para os frequentadores assíduos, porém, não há limite. “Alguns gastam como se não houvesse amanhã. Tem cliente que despeja R$ 2 mil a R$ 3 mil em uma tarde quente”, revelou uma vendedora. O figurino é calculado para provocar olhares e incentivar copos cheios.
Cada banca conta com uma caixa de som potente, disputando o espaço auditivo da feira. Enquanto uma solta batidas de funk, outra aposta no sertanejo, e outra, no pagode. O resultado é uma verdadeira simbiose musical difícil de distinguir, mas eficiente em atrair curiosos e animar quem decide ficar e esvaziar os bolsos em troca de cerveja cara e companhia.
O negócio mistura festa, comércio e sedução, em uma zona cinzenta entre diversão e exploração sexual. O calor, a música e as roupas curtas são parte da fórmula que movimenta muito dinheiro quase todos os dias da semana na feira, com a exceção das segundas-feiras.
O negócio das “iscas”
- Idade das contratadas: entre 18 e 25 anos (em sua maioria)
- Meta diária: 15 garrafas de cerveja
- Preço médio: R$ 15 a R$ 31 por unidade
- Comissão: R$ 5 por garrafa
- Renda semanal: até R$ 800
Banca do “trepa-trepa”
No meio das bancas, uma delas se destaca: a chamada “banca do trepa-trepa”. Ali, a responsável mistura o papel de comerciante com o de cafetina. Com celular em mãos, exibe fotos e vídeos de garotas de programa e garante: “Aqui só tem gata, você pode beber e deixa comigo que arrumo ‘prikito’”, dizia, enquanto ajeitava o sutiã. Enquanto a cafetina contava vantagem sem saber que também era filmada, duas meninas que davam expediente na banca ensaiavam passos de funk.
Segundo a própria comerciante, as garotas de programa aparecem em maior número nas sextas, sábados e domingos, quando o movimento aumenta. Entre uma garrafa e outra, ela se gabou de já ter organizado festas privadas para políticos: “Uma vez foram dois deputados. Paguei R$ 700 para cada menina e fiquei com o resto. Deu uns R$ 10 mil. Ela passaram o dia transando em uma lancha”, revelou, sempre questionando se a equipe não queria beber mais.
Assédio e exposição
Apesar da aparência de ponto de prostituição, nem todas as jovens se envolvem em programas. Para muitas, trata-se de um trabalho de complementação de renda – ainda que envolva riscos, assédio e exposição. Enquanto isso, o contraste salta aos olhos: dezenas de boxes tradicionais da feira permanecem fechados por falta de clientes, enquanto as bancas do álcool e da sedução lotam a cada tarde de calor ceilandense.
A cena observada na feira de Ceilândia expõe um modelo de negócio que mistura entretenimento, venda de bebidas e insinuações sexuais, levantando questionamentos sobre exploração, trabalho precário e, em alguns casos, prostituição. Entre músicas sobrepostas, calor sufocante e copos cheios, permanece a pergunta que ecoa entre os corredores estreitos: até onde vai o comércio e onde começa a exploração sexual?
*Com informações do Metrópoles