Poucas imagens conseguem atrair tanto a atenção mundo afora quanto a de um foguete decolando rumo ao espaço. Por mais que a ciência e a tecnologia estejam avançadas, com a inteligência artificial quebrando barreiras, o que existe fora da Terra continua sendo um grande mistério.
O que era um mercado profissional restrito a pouquíssimos eleitos, a ponto de se transformarem em personalidades mundiais, está ganhando um impulso espetacular, e uma das principais escolas de formação de astronautas fica em Caiçara do Rio do Vento, a 100 quilômetros de Natal. “Estamos bem no meio da caatinga”, diz o professor Júlio Rezende, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, criador do Habitat Marte.
A ideia de fazer uma réplica de uma estação espacial — a única do Hemisfério Sul — no interior do Rio Grande do Norte nasceu em 2017, quando uma equipe de pesquisadores liderados por Rezende passou a trocar informações com representantes de um centro de treinamento de astronautas no deserto de Utah, nos Estados Unidos.
“Nos aproximamos daquele grupo para ver como tudo funcionava, quais eram os protocolos e como poderíamos adotá-los no Brasil. Tudo foi avançando até que, em dezembro daquele ano, fizemos o primeiro curso”, conta. Dali em diante, mais de 900 pessoas já se formaram.
Ambiente simulado
A Habitat Marte simula o que seria a vida naquele planeta. “Na nossa estação, simulamos a ocupação sustentável de Marte. O esgoto é tratado, a água reaproveitável e a energia vem de placas solares”, detalha o professor. Todo esse processo foi facilitado porque, naquele local, já eram desenvolvidos estudos para a ocupação mais sustentável da Terra.
“Nossas construções só utilizam resíduos, nada é retirado da natureza. E, nas nossas pesquisas, sempre visamos resultados que possam ser usados no dia a dia da sociedade. Hoje, temos mais de 200 protocolos e muitos estudos em andamento”, complementa ele, que apresentou a estação espacial encravada na caatinga durante a Web Summit, a maior feira de tecnologia do mundo.
Todas as simulações foram feitas virtualmente, com participantes de várias partes do mundo. “Temos alunos tanto do Brasil quanto do exterior. Já passaram pela nossa estação pessoas de mais de 10 países”, assegura o pesquisador. Entre elas, a doutora Sian Proctor, astronauta norte-americana, escolhida como pilota para a missão Inspiration 4, da SpaceX, em 2021.
Outra vantagem dos cursos é o aprendizado sobre como viver em ambientes extremos, assinala o professor, preocupado com as rápidas mudanças climáticas pelas quais a Terra está passando. “Ensinamos como produzir alimentos em ambientes controlados, em estufas. Sabe-se que, com frio extremo ou calor extremo, a produção de comida fica prejudicada. Portanto, precisamos de alternativas”, afirmou.
O Habitat Marte tem uma enorme preocupação em estimular os jovens a se interessarem pela ciência, pela matemática, pela engenharia e pela tecnologia. Esse movimento ganha ainda mais relevância pelo fato de o projeto estar instalado em uma região do semiárido, onde o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) deixa muito a desejar.
“Mais conectados com a ciência, os jovens terão condições melhores de disputar vagas em universidades públicas”, diz Rezende. “Temos tanto interesse nesse ponto, que estamos totalmente abertos para visitas técnicas de escolas”, acrescenta.
Complexo espacial
Atualmente, o projeto é mantido com recursos dos próprios pesquisadores e das taxas pagas pelos alunos para os cursos. “Recentemente, tivemos um edital aprovado pela Sudene (Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste), pelo Sebrae e pela Fapern (Fundação de Amparo e Promoção da Ciência, Tecnologia e Inovação do Rio Grande do Norte). Com os recursos, conseguiremos manter as nossas instalações”, destaca.
Um dos principais passos que serão dados pelo projeto tem a ver com o funcionamento como um complexo de pesquisas e treinamentos. “Temos o Habitat Marte e a Caverna de Lava, que funciona em uma formação rochosa. Estamos construindo mais dois centros, que serão complementares. Então, as pessoas poderão se sentir como em uma vila em Marte. Os grupos vão ficar espalhados e poderão se comunicar, trocando experiências e dividindo tarefas. Será um complexo aeroespacial”, conta. “E não há nada assim parecido no mundo”, assegura.