A admissão do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) de que discutiu o estado de sítio com militares em 2022 pode prejudicar sua defesa no processo que investiga sua participação em uma trama golpista. No último mês de novembro, Bolsonaro foi indiciado pela Polícia Federal após apurações sobre tentativas de golpe. O relatório aponta que ele teria planejado e exercido controle direto sobre ações que atentaram contra a democracia.
Em entrevista à revista Oeste, uma semana após o indiciamento, o ex-presidente confirmou que conversou sobre o estado de sítio e o estado de defesa com membros das Forças Armadas após as eleições de 2022. “Eu discuti, sim, conversei, não foi uma discussão acalorada”, afirmou, mencionando o artigo 142 da Constituição, que trata das funções das Forças Armadas.
Em outro momento, Bolsonaro havia indicado em manifestação na Avenida Paulista, que sabia da existência de minutas de decreto para anular a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Apesar das confissões, o ex-presidente segue negando qualquer envolvimento com uma tentativa de golpe, defendendo que as discussões ocorreram dentro dos limites constitucionais.
Segundo Danilo Pereira Lima, professor de direito constitucional do Centro Universitário Claretiano e doutor em direito público pela Unisinos (Universidade do Vale do Rio dos Sinos), as falas de Bolsonaro sobre a discussão com militares indicam sua intenção golpista e confirmam o conjunto probatório sobre a trama apresentado pela PF.
Ele já havia falado sobre o tema em outras ocasiões, como em manifestação de fevereiro na avenida Paulista, quando indicou saber da existência de minutas de decreto para anular a eleição do presidente Lula (PT).
Apesar da admissão, o ex-presidente nega ter participado de uma trama golpista. Segundo ele, as discussões que teve foram respaldadas pela Constituição, o que é rebatido por especialistas ouvidos pela Folha.
Segundo Danilo Pereira Lima, professor de direito constitucional do Centro Universitário Claretiano e doutor em direito público pela Unisinos (Universidade do Vale do Rio dos Sinos), as falas de Bolsonaro sobre a discussão com militares indicam sua intenção golpista e confirmam o conjunto probatório sobre a trama apresentado pela PF.
Para Adriana Cecilio, mestra em direito constitucional e professora da Universidade Nove de Julho, Bolsonaro se autoincriminou ao admitir ter conversado sobre o estado de sítio.
Ela afirma que o ex-mandatário, ao tomar ciência de uma discussão sobre o tema sem justificativa cabível nos termos da lei, tinha o dever de agir contra a ação. Isso porque ele era, enquanto presidente, chefe supremo das Forças Armadas e, por isso, respondia pelos atos da instituição.
A professora também aponta uma deturpação do artigo 142 da Carta Magna para dar ar de legalidade ao golpe.
Segundo ela, a análise dos anais da Constituinte de 1988 aponta que, ao contrário da interpretação utilizada por bolsonaristas, os parlamentares da época escreveram o texto para “fechar as portas” ao alegado poder moderador das Forças Armadas.
“É possível depreender dos debates, sem qualquer sombra de dúvida, que o texto foi aprovado precisamente com os termos ‘poderes constitucionais’ com o intuito de estabelecer que as Forças Armadas estão submetidas aos três Poderes, ao controle do poder civil”, escreveu a professora em artigo sobre o tema.
“A teoria da ‘tutela militar’, da concepção das Forças Armadas como um Poder moderador, como vimos, foi objeto de debate e essa possibilidade foi debelada pelo constituinte originário. A Constituição não outorga tal poder às Forças Armadas”, continuou.
Em 2020, a Câmara dos Deputados emitiu parecer afirmando que o artigo 142 não autoriza uma intervenção militar para “restaurar a ordem” e mediar conflitos entre os Poderes. No texto, a Casa chamou a interpretação de “verdadeira fraude ao texto constitucional”. Já o STF (Supremo Tribunal Federal)rejeitou a tese sobre o “Poder moderador” por unanimidade em abril de 2024.
Para a advogada criminalista Ana Carolina Barranquera, especialista em direito e processo penal, a admissão de Bolsonaro sobre as conversas a respeito do estado de sítio e do estado de defesa dificulta a situação do ex-presidente.
Ela lembra que essas falas não foram isoladas. Ao contrário, estão em contexto de “uma série de atos públicos e notórios” em que o político inflamou a desconfiança da sociedade contra o processo eleitoral.
Após a divulgação do relatório policial, porém, o advogado Paulo Cunha Bueno, que defende Bolsonaro, deu entrevista no último dia 29 à GloboNews afirmando que o ex-presidente não se beneficiaria com um eventual golpe de Estado. “Quem seria o grande beneficiado? Segundo o plano do general Mario Fernandes, seria uma junta que seria criada.”
De acordo com Juliana Izar Segalla, doutora em direito constitucional pela PUC-SP e professora da Uenp (Universidade Estadual do Norte do Paraná), a admissão de Bolsonaro tem implicações políticas.
“Parece muito mais uma tentativa de movimentar um núcleo de desinformação para dar uma aparência de legalidade e minimizar uma tentativa de golpe, instruída, inclusive, por um grupo jurídico”, afirma.
Essa tentativa de conferir um verniz jurídico ao caso é alarmante, na opinião da especialista, que justifica a preocupação com uma frase do advogado Lenio Luiz Streck sobre o tema: “Se hoje no direito há gente que relativiza golpe de Estado, é porque, paradoxalmente, o golpe deu certo”, diz.
Com informações da Folha de São Paulo