A Sociedade Brasileira de Neurologia Infantil (SBNI) lançou um documento com novas recomendações para o diagnóstico e o cuidado de crianças com transtorno do espectro autista (TEA).
A versão anterior do documento era de 2021 e muitos estudos relacionados ao autismo foram publicados de lá para cá, explica Erasmo Casella, membro do Departamento Científico de Transtornos de Neurodesenvolvimento da SBNI e um dos autores da atualização. “O objetivo é tentar posicionar onde tem e onde não tem evidência”, destaca.
Diagnóstico
O documento ressalta que não há marcador biológico para o autismo, ou seja, ele não pode ser detectado por exames laboratoriais. O diagnóstico depende da observação clínica e da análise do comportamento e do desenvolvimento da criança em diferentes contextos, e a SBNI recomenda que a investigação diagnóstica ocorra o quanto antes.
O diagnóstico pode ser feito a partir dos 14 a 16 meses de idade com apoio de novas tecnologias de rastreio, como dispositivos de rastreamento visual. Nos Estados Unidos, os equipamentos foram recentemente aprovados pela Food and Drug Administration (FDA, agência similar à Anvisa).
O documento também amplia as recomendações de investigação genética, sugerindo o uso de microarranjo genômico (exame que permite detectar duplicações e perdas de segmentos de DNA) e, em alguns casos, sequenciamento completo do exoma (exame capaz de analisar as regiões do DNA codificadoras de proteínas e indicar mutações), quando houver suspeita clínica ou histórico familiar relevante.
Outra recomendação é o uso escala M-CHAT, um questionário utilizado para rastrear sinais precoces de autismo em crianças pequenas.
O teste é composto por perguntas que avaliam o comportamento da criança, como a forma como reage quando é chamada pelo nome e se gosta de brincar com outras pessoas. Entre as perguntas da escala estão questionamentos como:
“Se você apontar para algum objeto no quarto, o seu filho olha para esse objeto?”
“O seu filho aponta com o dedo para pedir algo ou para conseguir ajuda?”
“O seu filho fica muito incomodado com barulhos do dia a dia? (Por exemplo, seu filho grita ou chora ao ouvir barulhos como os de liquidificador ou de música alta?)”
No Brasil, a aplicação de protocolo para avaliação de riscos para o desenvolvimento psíquico das crianças é obrigatória pela Lei Federal nº 13.438/2017 e, em setembro deste ano, o Ministério da Saúde anunciou a recomendação de uso da M-CHAT para identificar sinais de autismo em crianças de 16 a 30 meses de idade em todas as unidades de saúde do País.
“Assim como a gente tem uma recomendação do calendário vacinal, que vacinas têm de ser dadas a partir de tantos meses, isso é uma recomendação para que nas primeiras consultas já se observe alguma alteração sobre crescimento e desenvolvimento. E, a partir de 16 meses de idade, se aplique esse protocolo, esse instrumento de rastreamento”, disse o ministro Alexandre Padilha durante o anúncio da adoção sistemática do teste.
Telas e autism-like syndrome
O documento cita que a exposição precoce e intensa a telas, especialmente em crianças pequenas, pode levar ao aparecimento de sinais semelhantes aos do autismo, como atraso de fala, isolamento, falta de contato visual, irritabilidade e dificuldades de interação. Esse quadro é chamado no texto de “autism-like syndrome”.
A SBNI, no entanto, ressalta que não há evidência de uma relação causal direta entre o uso de telas e o transtorno do espectro autista. Mas a falta de estímulos adequados pode contribuir para dificuldades comportamentais.
Medicações
O documento deixa claro que não existe medicamento capaz de tratar o autismo – apenas sintomas ou condições associadas. A recomendação é que o tratamento farmacológico dos quadros associados seja feito com cautela, sempre como complemento às intervenções terapêuticas e educacionais, e nunca como substituto dessas abordagens.
Segundo o texto, o uso de medicamentos pode ser indicado em casos específicos, como irritabilidade intensa, agressividade, hiperatividade, distúrbios do sono, ansiedade ou sintomas obsessivo-compulsivos, mas deve ser avaliado com cuidado caso a caso.
Entre os remédios citados estão os antipsicóticos atípicos risperidona (indicada para crianças a partir dos cinco anos de idade) e aripiprazol (a partir dos seis anos), os únicos com aprovação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para uso por pessoas com autismo, especificamente no controle da irritabilidade e de comportamentos agressivos.
“Outros antipsicóticos podem ser necessários em casos de refratariedade clínica, embora sob uso off-label”, diz o documento.
Sobre o uso de canabidiol (CBD) por pacientes com TEA, Casella destaca que a postura adotada é de cautela. Como não há evidências científicas suficientes sobre a eficácia da substância junto a esse público, a SBNI entende que o CBD não deve ser considerado parte das condutas terapêuticas baseadas em evidências, e que seu uso deve ser avaliado com extrema prudência.
*Com informações de Estadão Conteudo